Uma renúncia pouco falada

Nesta quaresma gostaria de fazer uma renúncia de que pouco se fala, mas que me parece cada vez mais transformativa: renunciar à pressa.

Na primeira missa desta quaresma, o Frei Fabrizio sugeria que escrevêssemos a nossa renúncia numas pedras — se percebi bem — que as crianças haviam preparado. Estava para fazê-lo, mas não tive oportunidade. A ideia era simples e implicava um compromisso assumido publicamente, mesmo se não assinássemos. Porém, pensei partilhar-vos o que iria escrever. Nesta quaresma gostaria de fazer uma renúncia de que pouco se fala, mas que me parece cada vez mais transformativa: renunciar à pressa.

Ao fim de vários anos de poupança, o ano passado conseguimos adquirir um veículo elétrico. Além de ser uma alteração na nossa família para poupar nas viagens para o trabalho, e encaminharmo-nos para um estilo de vida mais sustentável (o fim de vida das baterias há-de resolver-se), dei-me conta de que um veículo elétrico re-educa o nosso modo de conduzir. Para carregar a bateria o mais possível em cada viagem, ou poupá-la, a melhor solução é conduzir sem pressa. Depois de qualquer trajeto, a ausência de pressa faz-me sentir mais sereno. Este é um efeito que não esperava.

As renúncias mais habituais na quaresma referem-se a coisas (chocolates, café, tabaco, etc.), mas podemos também renunciar a determinados comportamentos. Na era digital, supostamente, temos mais tecnologia para nos ajudar a dedicarmos mais tempo ao que mais gostamos e a quem mais amamos, mas isso não acontece.

Quantas vezes não nos queixamos ou ouvimos as queixas dos outros de não haver tempo sequer para coçar a cabeça? Vivemos sob a égide de um relógio que fragmenta o tempo e, também, a nossa vida. O modo como experimentamos o tempo precisa de conversão e daí o desejo de renunciar à pressa.

Um modo de renunciar à pressa será fazer menos coisas, optando pelas que são essenciais. O tempo pode ensinar-nos a ser criativos, a mantermo-nos de mente aberta, mas também a apreciar o valor do tédio e do nada-fazer. Não significa inactividade, mas parar para apreciar. Diz Jenny Odell no seu livro How to do nothing que — “a prática de nada fazer tem algo mais abrangente a oferecer-nos: um antídoto à retórica do crescimento”.

Não é para crescer o valor na conta bancária que tanta gente anda com tanta pressa? E para quê? Existem muitos espaços e períodos na vida que não são instrumentalizáveis, ou atividades e pensamentos que não são comercializáveis. É preciso protegê-los. Manter e cuidar bem do espaço e tempo para os relacionamentos não é compatível com uma vida cheia de pressa.

Uma razão para as pessoas andarem cheias de pressa relaciona-se com a produtividade, mas isso advém de uma noção incorreta desse termo. Habitualmente, as pessoas tendem a pensar que ser produtivo significa fazer muita coisa em pouco tempo, mas isso compromete a qualidade daquilo que fazemos. Na minha experiência, ser produtivo significa fazer bem o que tenho para fazer agora… sem pressa. Na linguagem do Evangelho significa fazer a Vontade de Deus. Mas existe uma Lei da Produtividade que ajuda a compreender melhor a impressão de termos de fazer muita coisa em pouco tempo:

Produtividade = Concentração × tempo

Por isso, se tiver pouco tempo, preciso de estar muito concentrado, mas se tiver muito tempo, posso estar menos concentrado desde que se faça um pouco de cada vez. Renunciar à pressa para ser mais produtivo não serve apenas para a nossa vida profissional, mas serve, também, para um maior aprofundamento da vida espiritual.

Pode ser prolongando um pouco mais a elevação da hóstia para adorarmos Jesus. Pode ser rezar mais lentamente para meditar bem cada palavra pronunciada e deixar que faça efeito no coração. Pode ser uma maior lentidão ao sair da Igreja no final da missa para ver bem cada pessoa com quem construímos uma comunidade e, quem sabe, trocar umas palavras em conversa.

Mariusz Blach 2018 - stock.adobe.com
Mariusz Blach 2018 – stock.adobe.com

Ninguém é perfeito no modo como procura viver sem pressa ou qualquer renúncia em período quaresmal. E há quem justifique a pressa com a boa intenção de pôr algumas coisas para a frente. Caso contrário, os processos iniciados não se fecham para dar início a novos processos. E sabemos que algumas coisas exigem de nós celeridade porque se o pobre tem fome, como não ter pressa em dar-lhe de comer? Mas não caiamos no risco de que as pressas resultem em “indigestões” por não mastigarmos bem aquilo que alimenta a nossa vida.

Talvez o segredo esteja em viver o mais possível o que é essencial, o que transforma e o que nos leva a sair de nós mesmos para reconhecermos a serenidade do espaço e tempo relacionais quando renunciamos à pressa daquilo que se revela supérfluo. É um caminho que fazemos juntos e também uma oportunidade de viver uma sinodalidade sem pressa.

Foto da capa: Foto Anna Dziubinsja, 2012 | Commons Wikimedia

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