Com inauguração prevista para 2022, a Casa da Família Abraâmica será um conjunto de três edifícios: uma Igreja, uma Mesquita e uma Sinagoga. Com linhas arquitetónicas exteriormente iguais, serão interiormente diferentes de acordo com a características religiosas de cada grupo. Os três edifícios abrirão para um jardim central. Será um espaço inter-religioso para “espalhar a tolerância e a paz”.
Trata-se de um projeto que nasce na sequência do encontro histórico entre o Papa Francisco e Ahmed AL-Tayeb, grande Imã de Al-Azhar, onde foi assinado o Documento sobre a Fraternidade Humana para a Paz e Coexistência Mundial, também conhecido como Declaração de Abu Dhabi ou Acordo de Abu Dhabi.
Esse encontro foi gerador de iniciativas e propostas antes impensáveis. Estamos numa nova era das relações inter-religiosas. Desenham-se caminhos nunca antes imaginados. Para que o documento não ficasse nos arquivos, foi criado um Comité Supremo para a Fraternidade Humana para “traduzir as aspirações do documento em compromissos duradouros e ações concretas para fomentar a fraternidade, A solidariedade, o respeito e a compreensão mútua”.
A 21 de dezembro de 2020, a Assembleia Geral das Nações Unidas declarou, unanimemente, o dia 4 de fevereiro (aniversário da assinatura do documento) como Dia Internacional da Fraternidade Humana. A resolução convida os Estados-membros a celebrar este Dia para “promover o diálogo inter-religioso e intercultural”.
Sem uma relação fraternal entre estas três experiências não haverá paz. É uma convicção do Papa que tem procurado, sem hesitações, avançar, metodicamente, na abertura de pontes e caminhos de diálogo.
O projeto de uma Casa para a Família Abraâmica é em si mesmo uma promessa de futuro, “uma esperança inesperada”, um desafio de criatividade e de renovação. Há gestos surpreendentes que podem marcar uma nova forma de abordagem de um problema tão complexo como é a relação inter-religiosa.
O recente encontro com o Imã Ayatollah iraquiano Ali Al-Sistani, no Iraque, situa-se nessa linha de encontros fraternais. A promessa de novos encontros em Roma com a comunidade xiita são uma promessa de um novo futuro. A presença de Francisco em Ur traz à nossa memória coletiva a figura de Abraão como ponto de referência para as três grandes experiências religiosas: Judaísmo, Cristianismo e Islamismo.
Evocar Abraão, como pai dos crentes, é invocar o iniciador de uma experiência religiosa que não sacrifica o homem aos deuses, mas permite que o sonho ocupe um lugar fundamental no desenho do futuro. O sonho de Abraão vai-se repercutindo em sonhos proféticos ao longo da história.
A utopia ganha crédito face á melancolia. O sonho faz parte do horizonte e pronunciamentos do Papa Francisco, sobretudo quando fala, depois do Sínodo da Amazónia, dirigindo-se a toda a Igreja:
Sonho com uma Amazónia que lute pelos direitos dos mais pobres, dos povos nativos, dos últimos, de modo que a sua voz seja ouvida e sua dignidade promovida.
Sonho com uma Amazónia que preserve a riqueza cultural que a caracteriza e na qual brilha de maneira tão variada a beleza humana.
Sonho com uma Amazónia que guarde zelosamente a sedutora beleza natural que a adorna, a vida transbordante que enche os seus rios e as suas florestas.
Sonho com comunidades cristãs capazes de se devotar e encarnar de tal modo na Amazónia, que deem à Igreja rostos novos com traços amazónicos.
E a 23 de novembro de 2020, escrevia:
Não fomos feitos para sonhar os feriados ou o fim de semana, mas para realizar os sonhos de Deus neste mundo. Ele tornou-nos capazes de sonhar, para abraçar a beleza da vida. Não tenham medo de sonhar coisas grandes.
Mas, adverte o Papa: “existe um sonho perigoso, o sonho da mediocridade.”
Nesta proximidade a São José, “o guardador dos sonhos de Deus”, lembramos o poema de Sebastião da Gama.

Pelo sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo sonho é que vamos.
Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e ao que é do dia a dia.
Chegamos? Não chegamos?
– Partimos. Vamos. Somos.
Sebastião da Gama
Foto da capa: Como arquiteto, quero criar um edifício que comece a dissolver a noção de diferença hierárquica – deve representar universalidade e totalidade – algo superior, que valorize a riqueza da vida humana. David Adjaye, arquiteto
https://www.adjaye.com
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