De António e Francisco aprendemos que a criação é uma metáfora da recomposição, da reunificação e da fraternidade. Contemplemos mais uma etapa da viagem de António para Pádua, passando pela região da Basilicata (Sul da Itália).
Vamos sair com Santo António e dar um passeio pela criação. O nosso GPS só pode ser de cariz franciscano, porque assim foi também o GPS de António.
Mais, esta foi a resposta que São Francisco e os seus companheiros deram à Dona Pobreza, que lhes pedira a razão de ser da sua forma de vida: “Levaram-na até ao cimo de uma colina e mostraram-lhe toda a terra em redor até ao horizonte, dizendo: “Este, senhora, é o nosso claustro” (Sacrum Commercium 63)!
De uma só penada, é “quebrada a clausura”, cancelada a fronteira entre o “interior” e o “exterior”, entre o “sagrado” e o “profano”, o mundo inteiro é o convento onde os franciscanos vivem, se movem, rezam, operam e testemunham. Nesta paisagem é que se tornam santos. O jardim para cuidar, cultivar e contemplar, não tem cercas. Torna-se um caminho para Deus.
Tal como Francisco e Clara, António, ao atravessar a paisagem, percorrendo-a não como alguém que tem algo para conquistar e derrubar, mas como um convidado a quem é oferecido um presente, pode fazer esta experiência precisamente porque não se apodera dela, não reivindica: “É minha!”. Pode, por isso, contemplá-la com admiração, ver “mais além”, apreciá-la e cantá-la porque é uma dádiva. Não está obcecado com custos e proveitos. Não precisa de se perguntar ansiosamente como extrairá o máximo proveito deste campo? Quanto poderá ganhar com esta árvore? A quem pertencerá esta ribeira? O que poderei fazer com esta colina? Quem é que se importará se atirar umas latas para o meio das ervas? Que importa se eu desperdiço ou sujo a água? Pelo contrário, o olhar de António, límpido e puro, revela-lhe a textura divina entranhada na paisagem.
O seu olhar límpido e puro
revela o entrelaçado divino
entranhado na paisagem
Libertada da relação de propriedade, a criação torna-se, paradoxalmente, uma metáfora de recomposição, reunificação, fraternidade. E isto é verdade, sobretudo, em relação às gerações vindouras, em nome e por conta de quem recebemos em herança todo este tesouro de Deus.
Dentro desta paisagem, assim percebida e vivida, cada ser, na sua singularidade (Gen 1,11.12.20), de acordo com a sua própria espécie, pode encontrar-se com todos os outros, ser “hóspede” e, porque é acolhido, pode acolher. Tal atitude permite reconhecer cada coisa e cada criatura na sua própria existência, vislumbrando a sua origem divina, chamando tudo irmão e irmã, respeitando e acolhendo o seu “ser” antes do seu “ser útil”.
A abordagem de louvor e de admiração, de reconhecimento e de gratidão, é, por isso, o primeiro “gesto” ecológico antoniano: “O mundo é algo mais do que um problema para resolver, é um mistério gozoso que contemplamos na alegria e no louvor”, escreve o Papa Francisco na Laudato si’ (n. 12). Daqui deriva lógica e necessariamente o maior respeito e o cuidado responsável.
Desta forma, António pode fazer uma experiência meditativa, mas ao mesmo tempo ardente e concreta, a partir da fisionomia específica dos lugares, da unicidade e singularidade das flores, das plantas e dos animais. Tudo se ordena de forma adequada para experimentar, aqui e agora, o Reino de Deus, qual pérola preciosa escondida no âmago de cada ser. Até numa nogueira, entre cujos ramos acolhedores e robustos António construirá a sua própria cela, em Camposampiero, nos últimos dias da sua vida. Ou na variedade de animais e na miríade de flores que António tão sabiamente utilizou para explicar a Palavra de Deus ao longo dos seus Sermões. Ou no lírio teimosamente colocado nas suas mãos, em estátuas e pinturas. Terá, certamente, um significado espiritual, mas não deixa de ser, simplesmente, uma flor bonita e perfumada.
Capa: Um passeio no bosque, ilustração de Luca Salvagno