Um mundo perfeito para todos

Uma moda é uma tendência; estar na moda relaciona-se normalmente com uma forma de nos apresentarmos (roupa, cabelo, acessórios) que segue determinados padrões sociais considerados em voga, em cada lugar e em cada momento. Em sentido estrito, relacionado com o comércio, a moda é uma indústria que se alimenta da sua volatilidade e efemeridade: estar na moda, passar de moda, voltar a estar na moda.

O verbo que predomina é o verbo estar, que representa certas condições numa dada altura. Não somos à moda, não se trata da nossa essência, mas sim, da aparência. A partir daqui poderia seguir a linha expectável dessa célebre dicotomia, mas seguramente o leitor não quer ir pela via fácil da condenação imediata do que parecemos. Até porque, como aprendemos com a história da mulher de César, não basta ser, também é preciso parecer.

A moda, como outros domínios da vida em sociedade, tem uma dimensão de adaptação, de integração que é muito importante para a vida dos indivíduos. Fazer parte, sentir-se parte do grupo não implica anular o individual, mas é antes o aconchego da família, dos amigos, dos colegas, dos vizinhos – da comunidade, enfim – para que cada um de nós possa cumprir a sua missão vital.

Na metade norte do globo, a ocidente do Oriente

O mundo perfeito não é uma quimera, é o aqui em que estamos e somos. Agradecemos permanentemente? Partilhamos essa alegria?
O mundo perfeito não é uma quimera, é o aqui em que estamos e somos. Agradecemos permanentemente? Partilhamos essa alegria?

Num mundo perfeito, essa comunidade seria ampla e generosa, sustentar-nos-ia o presente e impulsionaria os nossos sonhos. Com a comunidade, como parte da comunidade, seria apenas necessário aquele gesto livre e corajoso, confiante e comprometido, de nos dedicarmos a ser felizes e úteis para a sociedade.

Num mundo perfeito, teríamos casa e comida, teríamos água potável, aquecimento, um trabalho e também tempo de lazer; poderíamos dar aos filhos a possibilidade de melhorar o inglês ou de aprender uma segunda língua estrangeira, levá-los ao futebol e à natação; num mundo perfeito, programaríamos férias no Algarve ou um fim de semana prolongado na Eurodisney.

Num mundo perfeito, faríamos jantaradas com os amigos e levaríamos os avós a ver as iluminações de Natal com paragem obrigatória para uma meia de leite e um mil-folhas; passaríamos tardes no café a jogar à bisca e compraríamos rifas para a quermesse dos bombeiros na festa do padroeiro.

Num mundo perfeito, lutaríamos contras as adversidades com a ajuda da família e dos amigos, e com a preciosa ferramenta da educação que recebêramos (fosse ela formal ou informal), o que nos permitiria ter o discernimento necessário perante as provações.

Poderia continuar. Não é difícil perceber que este “mundo perfeito” é já o nosso mundo, na metade norte do globo, a ocidente do Oriente, situados no extremo dinâmico de uma linha cronológica que lança raízes no tempo longínquo, mas sólido, da Grécia e da Roma antigas, renovadas nos valores da liberdade, igualdade, fraternidade da revolução francesa.

Temos consciência de quanto somos privilegiados?

O mundo perfeito não é um mundo sem defeitos, mas é este da vida privilegiada de termos pão e mãos e força para amassar. O mundo perfeito não é uma quimera, é o aqui em que estamos e somos: e que sorte temos! Sabemo-lo? Temos consciência plena? Agradecemos permanentemente? Partilhamos essa alegria?

A crueza do abandono e da invisibilidade

Há muitas pessoas cujo aqui não é espaço de esperança, nem tempo de futuro. Há muitas pessoas que vivem num mundo imperfeito, falhado, defeituoso, deformado; pessoas que por viverem nesse mundo escuro e sujo são confundidas com ele.

Que dupla crueldade a dessas vidas: a crueza do abandono e a da invisibilidade! Há muitas pessoas que vivem num mundo imperfeito, com os pés em terra movediça, chão inseguro onde não é fácil erguer paredes sólidas, nem depois colocar telhado ou sequer rasgar janelas… Sem água potável, sem comida no prato, sem disponibilidade para desfrutar do tempo, desconhecendo a palavra lazer ou o conforto dos pés calçados; com as costas e a confiança tolhidas. E de novo a invisibilidade.

Há muitas pessoas cujo aqui não é lugar, mas vazio. Um vazio cheio de medo e ansiedade; têm diante delas um horizonte sem guia, fraquejam-lhes as pernas e a confiança, estão desamparadas, são invisíveis (sim, insisto na invisibilidade).

Resgatemo-las da invisibilidade e a nós da nossa cegueira

O Natal passou há poucos dias, mas parece ter sido há muito tempo. Já estamos de novo virados para diante, agasalhados no nosso mundo perfeito, labutando para dar o melhor aos nossos, celebrando uma vida feliz. Nada há de mal nisso, é muito bom e devemos proteger este nosso mundo. Mas não esqueçamos os outros, aquelas pessoas cujo aqui não é terra firme, nem o agora é tempo de alegria. Voltemo-nos para eles, olhemo-los no rosto, lado a lado, de perto ou de longe, mas em conjunto, sejamos portadores de luz, de calor, de pão, de água pura. Há muitas maneiras concretas de ser agente do bem, obreiros de um mundo melhor para todos.

Não é difícil encontrar essas pessoas nas nossas terras, conhecemos bem onde estão, onde se escondem, por onde vagueiam envergonhadas e esquivas, com um atrevimento que na verdade é receio. Olhemo-las e resgatemo-las da invisibilidade e a nós da nossa própria cegueira.

Ponhamos mãos à obra na construção de um mundo perfeito para todos. Será talvez uma maneira perfeita de começar em comunidade o ano de 2019.

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