A Jornada Mundial da Juventude é um evento que marca a vida de muitos cristãos (e não-cristãos), sobretudo os que nela participaram. Desde o início da JMJ que as multidões captavam a nossa atenção e a daqueles que se cruzavam, casualmente, com as mesmas.
Recordo ter visto uma pessoa que reconheci como meu professor quando estava tirar o curso na Universidade. Em cima da sua bicicleta, ele contemplava atentamente a multidão. Esteve presente até à parte da comunhão. Não o cumprimentei por sentir que não deveria interromper a “sua oração”. A oração essencial que descreve o momento de muitos de nós após estas jornadas. A oração que se exprime exteriormente como — Uau! Esta é a primeira fase da JMJ.
Uau! é a oração essencial do assombro, do deslumbramento, que encontrei pela primeira vez nestes termos no livro da escritora americana Anne Lamott, Help, Thanks, Wow – The Three Essential Prayers. O curioso da oração na língua inglesa — Wow — é a origem da palavra que aparenta ser escocesa e que vem do “I vow”, ou seja, “Eu comprometo”. Jamais haveria pensado no assombro como uma oração de compromisso. E se assim for, compromisso de quê? Creio poder haver diversas versões possíveis para este compromisso, mas aquela que me ocorre com base na experiência da JMJ é: compromisso a amar. Como disse o Papa Francisco, o Amor de Deus é a única coisa grátis neste mundo e assim deve ser o nosso amor. Porém, esta não foi a única expressão marcante que o Papa nos deixou. Por isso, todas as suas palavras serão essenciais para a segunda fase da JMJ. A fase do hum…
Hum… é a expressão que naturalmente fazemos quando algo nos intriga e põe a pensar. Por isso, é uma fase de descoberta e aprofundamento de realidades que as palavras evidenciaram e que permaneciam escondidas. Por exemplo, Francisco ofereceu-nos várias expressões e ideias durante a JMJ. Por exemplo: a única vez que deveríamos olhar alguém de cima é quando queremos oferecer uma mão de ajuda para que se levante e continue o seu caminho pessoal; temos de deixar de ser administradores de medos e passar a ser empreendedores de sonhos; todos, todos, todos, uma Igreja não se fecha a ninguém. A propósito deste último, a reflexão que fazia era sobre a diferença entre “todos” e “tudo”
A Igreja acolhe “todos”, mas não acolhe “tudo” por existirem ideais de vida de alguns que a experiência cristã reconhece limitarem-nos na experiência de amor como dom-total-de-nós-mesmos. A fase do hum… é fundamental para reflectir e desenvolver a inteligência espiritual que nos amadurece no relacionamento e união com Deus. Porém, esta fase é insuficiente para completar a viagem. Depois do hum… é o momento do Ah!
Ah! é a expressão que fazemos quando compreendemos alguma coisa em que estávamos a pensar e sabemos como agir a partir da compreensão. Ah! é a manifestação do impulso interior de quem percebeu o que fazer com o que compreende. Não sei se foi durante os discursos do Papa Francisco durante a JMJ, ou num livro que li sobre ele, mas a chamada de atenção pela preferência dos pobres e dos últimos que vivem nas periferias existenciais pode implicar irmos para além da esmola e chegar ao toque.
Recordei estas palavras quando fui a uma missa em Lisboa e encontrei aquela senhora pobre que já sabe como não costumo dar-lhe esmola. À entrada cumprimentei-a como habitualmente e trocámos sorrisos. Mas à saída lembrei-me do convite do Papa a ir da esmola ao toque e resolvi, com um gesto simples e fraterno, tocar-lhe no ombro com um ligeiro aperto, procurando a proximidade em vez da esmola. Ofereci-lhe um toque. Não podem imaginar a sua cara. Iluminou-se como jamais havia visto.
Existe um grande receio de que eventos mediáticos como a JMJ possam ser fenómenos isolados que emocionam, mas não transformam. Sabemos que não transformam todas as pessoas e que algumas podem fazer experiências menos boas de solidão no meio da multidão, mas essa é uma das razões de se continuar com estes eventos. Isto é, garantir as oportunidades de melhorar sempre e trabalhar melhor o acompanhamento a fazer aos jovens.
Uau! — Hum… — Ah! Três fases em qualquer JMJ. Uma oração. Uma interpelação interior. Uma atitude. Ciclos que acontecem no caminho espiritual de cada indivíduo, enquanto ser indivisível, e de cada comunidade pela relacionalidade entre os indivíduos que se encontram a si mesmos através dos relacionamentos com os outros. Como diria o título do livro do escritor brasileiro Fernando Sabino — No fim dá certo. Se não deu, é porque não chegou ao fim.
Foto da capa: Cerimónia de Acolhimento, Colina do Encontro, Parque Eduardo VII. Foto Arlindo Homem | JMJ Lisboa 2023.
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