Três palavras para 2021

Costumamos viver a passagem do ano, deitando para trás o que não presta do ano que acaba e sonhando algo diferente para o novo que aí vem.

Contudo, sabemos bem que não é possível arrumar na gaveta as coisas “más” de 2020, sobretudo o “maldito vírus” que prostrou o mundo, ao nível da saúde e da economia, esperando que o 2021 seja totalmente melhor.

As muitas “pandemias”, que afligem o mundo e quem o habita, não irão desaparecer num piscar de olhos. Então talvez seja mais realista pensar que o “dois-mil-e-vinte-e um” poderá ser “melhor” se eu mesmo me tornar melhor?

Na transição do 2020 a findar para o 2021 a nascer, procurei colocar na minha mochila algumas “palavras-chave” que me ajudassem a encontrar um estilo de vida para “tornar melhor” o ano que me é dado viver.

Acredito que debaixo das cinzas provocadas pela pandemia da Covid-19, podemos encontrar umas “brasas” para reacender o lume da esperança de uma vida renovada.

Grandes ideais e personalidades surgiram no meio das devastações provocadas pela Segunda Guerra Mundial, dando vida a movimentos ecuménicos na Igreja e a organizações que trabalharam pela paz e a união do continente europeu.

A primeira palavra-chave que convido a colocar na mochila de 2021 é, então: Sobriedade

A pandemia em que caímos, em 2020, mostrou quanto é real o que a encíclica Laudato Si’ do Papa Francisco denuncia: a Terra, nossa mãe, nossa irmã, clama, grita, porque sofre por nossa causa e não aguenta mais. É necessária uma “conversão ecológica” com uma antropologia diferente. O homem não pode continuar a estar no centro do planeta, usando e abusando, dando cabo da biodiversidade, servindo-se de uma economia que não olha ninguém na cara.

Perante a cultura do consumir e deitar fora o que não serve, somos chamados a um estilo de vida sóbrio. A sobriedade é a resposta do crente e não crente ao chamamento para uma conversão ecológica integral que o nosso planeta clama. São Francisco de Assis, soube assumi-la com motivações religiosas: ser pobre, como Cristo foi pobre até à sua paixão e morte na cruz. Contudo, São Francisco deixou-nos na pobreza e na sobriedade um estilo de vida reconciliado com todas as criaturas e a inspiração para uma economia de comunhão e de solidariedade para com os mais pobres.

Na “sacola 2021”, para além do cuidado da casa comum (sobriedade), quero colocar uma segunda palavra-chave: Amabilidade

O fruto da reflexão feita pelo Papa Francisco e seus colaboradores, em tempo de pandemia, sobre os males que afligem o mundo, foi a encíclica Fratelli Tutti. Somos “Todos Irmãos” – afirma o Papa – dentro de um “mesmo barco”, chamados, não a fugir, mas sim a navegar “na tempestade” do tempo presente, para sairmos dela, “melhores” e não piores. É que tenho a sensação que corremos o perigo de ficarmos piores: revoltados, fechados em nós mesmos, chateados uns com os outros, agarrados a uma salvação individualista (“salve-se quem puder”).

Falando da boa política, do diálogo e da amizade social, na encíclica Fratelli Tutti, o Papa convida a cultivar a amabilidade, para nos tornamos “estrelas no meio da escuridão” (FT 222). Veio-me à mente o episódio do “lobo feroz”, narrado nas Florinhas de São Francisco, que ameaçava os habitantes da cidade de Gúbio, sobretudo as crianças que queriam brincar. Quando Francisco chega à cidade de Gúbio percebe que a solução não é ir à caça do lobo para dar cabo dele, mas encontrá-lo e falar-lhe. Leiam o discurso de São Francisco (Florinhas, cap. XXI) ao lobo e depois aos habitantes de Gúbio. O lobo recebeu a bênção do Santo e ficou manso, os habitantes acolheram o animal reconciliado e procuraram dar-lhe alimento.

A amabilidade, em tempo de lobos, de populismos e de fakenews usadas para “semear pânico” em lugar da“corresponsabilidade”, é um grande desafio. Quanta agressividade circula também na Igreja e nas comunidades cristãs! Amabilidade significa domesticar o lobo que está dentro de nós.

A terceira palavra-chave vem de uma personagem “despercebida” da devoção popular: São José. Grande coragem teve o Papa Francisco em propor em tempo de pandemia na transição para o ano 2021 a figura de São José. Quando vemos uma velhinha tocar a imagem de um santo, na igreja, pensamos que é uma “beata”. Eu vi o Papa Francisco fazer isto em 2010, na Argentina, quando ainda era arcebispo de Buenos Aires; vinha para celebrar a missa com os frades e no claustro tocou a imagem de São José e fez o sinal da cruz. Não me atrevi pensar que era um beato, mas afinal podia pensá-lo!

É útil ler a carta que o Papa Francisco escreveu sobre São José, “o homem que passa despercebido, o homem da presença quotidiana discreta e escondida”, um modelo para tantas pessoas “que estão, aparentemente, escondidas ou em segundo plano… que não aparecem nas manchetes dos jornais e revistas, nem nas grandes passarelas do espetáculo, mas que, hoje, estão, sem dúvida, a escrever os acontecimentos decisivos da nossa história”.

A terceira palavra-chave que ponho, então, na mochila de 2021, retiro-a da figura proposta pelo Papa Francisco desde o início do seu pontificado através da figura de São José: Cuidado

Cuidar do outro é o segredo da grandeza escondida de São José, que só os pequeninos e simples, sabem entrever e procurar. Vejam bem, o cuidar de José nasce do seu amor casto que significa – para o Papa Francisco – viver na lógica da “liberdade da posse em todos os campos da vida”. São José “soube amar de maneira extraordinariamente livre. Nunca se colocou a si mesmo no centro; soube descentralizar-se, colocar Maria e Jesus no centro da sua vida”.

Sobriedade,
amabilidade,
cuidado,
três atitudes chave
para entrar
com renovada energia
em dois mil e vinte e um.

Foto da capa: Nos 150 anos da proclamação de São José como guardião universal da Igreja, pelo Papa Pio IX, o Papa Francisco proclama 2021 o “Ano de São José”, através da Carta Apostólica Patris Corde “Coração de Pai”. Foto: São José com o Menino Jesus nos braços, de Guido Reni (1575-1642), Hermitage Museum / Commons Wikimedia.

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