Trazemos a ressurreição dentro de nós

O tempo pascal é um tempo especial, tempo de vida plena, de confirmação da esperança e de certeza que a ressurreição vence a morte.
No entanto, muitas vezes, os cristãos dão a entender que ficaram em Sexta-Feira Santa, andam com ‘cara de funeral’ e vivem como se Jesus estivesse morto. Quase parece que alguém arrancou das suas bíblias as páginas que falavam da ressurreição.

Já na manhã de Páscoa, as mulheres foram ao sepulcro à procura de Jesus morto. Nessa mesma hora, foram alertadas por dois homens em trajes resplandecentes: “Porque buscais o Vivente entre os mortos? Não está aqui; ressuscitou!” (Lc 24,5-6a).

Podemos correr o risco de continuar a procurar entre os mortos Aquele que está vivo, entre a tristeza Aquele que é a fonte da alegria, entre o sofrimento Aquele que é a compaixão. O risco não é procurar aí, o risco é não ser capaz de ver mais longe e deixar-se atravessar pela força da ressurreição.

Mas também é verdade que muitas vezes a ressurreição parece algo distante da vida concreta, difícil de compreender e inútil de celebrar – porque afinal quase nada muda (em nós). Importa recordar que a ressurreição não é um voltar à mesma vida – mas uma vida nova. Daí que não se deva falar de ressurreição quando se fala das ‘reanimações’ da filha de Jairo (Mc 5,21-24.35-43; Mt 9,18-19.23-26; Lc 8,40-42.49-56); do filho único da viúva de Naim (Lc 7,11-16); e de Lázaro (Jo 11,1-44). Todos eles voltaram à vida anterior e um dia morrem.

Então o que  significa ressuscitar?

Que palavras usa a bíblia para dizer ressurreição? Em Paulo encontramos sobretudo duas palavras para referir a ressurreição de Jesus: anastasis (cf. Rom 4b) e egeiro (cf. 1Cor 4a). O substantivo anastasis quer dizer essencialmente ‘ação de elevar-se’ e ‘erguer-se’; já o verbo egeiro quer dizer ‘fazer levantar’, ‘despertar’ e ‘pôr e pé’.

Contudo, o sentido mais profundo, teologicamente falando, tem a ver não tanto com o ‘erguer-se’, com o ‘despertar’, com o ‘colocar-se de pé’, mas essencialmente com uma vida nova que surge, uma plenitude de sentido que se alcança, uma força existencial que nos faz renascer a partir de Cristo Ressuscitado.

Como é que Jesus tendo morrido pode ter ressuscitado? Com que corpo? (cf. 1Cor 15,35) Estas são perguntas de sempre. É o cadáver que ressuscita? Será outro corpo?

Para responder a estas e outras perguntas, Jesus (e mais tarde Paulo) usa a metáfora do grão de trigo lançado à terra: ‘se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto’ (Jo 12,24 – ver ainda 1Cor 15,37).

Esta metáfora fala de Jesus mas fala também de cada um de nós.

Começa por ser interessante que Jesus assinale que o grão de trigo se não morre fica só, antes mesmo de referir que não dará fruto. O grão que não morre torna-se solitário…acaba por morrer não de morte natural, mas de solidão.

Mas se morrer, não só não fica só, como dá fruto. Ou seja, há dentro do grão o poder de uma vida nova. Para isso apenas precisa de morrer.

Morrer para que ‘coisas’?

Precisamos de morrer para o egoísmo constante, para a ambição desmedida, para o sucesso fácil, para o lucro a todo o custo, para a imagem ideal, para a escravidão do trabalho, para a idolatria do dinheiro, para o prazer do estatuto… para tudo o que nos desumaniza e desumaniza as relações e o mundo.

Mas quando morremos, quando nos damos, quando nos colocamos ao serviço, quando somos humildes, quando nos entregamos por amor… começa a nossa transformação interior. Um mistério que nos habita e que nos começa a transformar e a ressuscitar lentamente (cf. 1Cor 15,51).

O que impressiona é isso mesmo, há uma força dentro de nós capaz de vida nova.

Há uma força dentro de nós capaz de ressurreição

Se o grão de trigo não morrer, fica só...
Se o grão de trigo não morrer, fica só…

O grão de trigo tem de apodrecer e morrer para daí surgir novo trigo. A batata velha tem de ser cortada, enterrada, apodrecer e morrer para daí surgirem muitas batatas novas. O bicho da seda tem de morrer para o conforto do seu mundo, tem de romper o casulo, para poder ser borboleta.

Todos trazem dentro de si vida, mas precisam de morrer para que essa vida nova surja e se revele. Também nós trazemos a ressurreição dentro de nós. Há uma vida plena que nos habita, mas que ainda não se revelou totalmente… porque precisamos de aprender a morrer.

Talvez nos falte coragem de ‘des-cobrir’ (tirar o que cobre) essa força que trazemos dentro.

O ritmo do mundo em que vivemos, as ilusões em que fomos educados, os objetivos a que nos propomos, os horizontes a que nos habituámos, a religião em que fomos introduzidos, as homilias que tantas vezes escutamos… ‘cobrem’ essa força que nos habita.

Uma força tão forte que não vem de nós, mas de Deus. Afinal fomos criados à imagem e semelhança de Deus.

Na ressurreição de Jesus podemos ressuscitar. Só nesse ‘milagre por excelência’, nas palavras de Rahner, é que podemos perceber a força que trazemos dentro. Jesus foi ressuscitado pelo Pai, por meio do Espírito Santo, e será na sua ressurreição que nós seremos transformados e ressuscitaremos.

Nessa plenitude de encontro e de comunhão, “seremos semelhantes a Ele, porque o veremos tal como Ele é” (1Jo 3, 2b) e tal como nós somos. Afinal somos feitos da ‘massa’ de Deus, temos o mesmo ADN. Celebremos a ressurreição que trazemos dentro de nós.

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