Traição e Perdão

Frei Antonio Ramina, messaggero di sant’Antonio

Que horror! Ajusta-se um preço aquilo que não tem preço!
Oh, quantos Judas Iscariotes, ainda hoje, vendem a verdade
em troca de alguma vantagem temporal,
entregam o próximo com o ósculo da adulação
e desta forma acabam por se enforcar no laço da condenação eterna!.

Sermões, de Santo António, Domingo da Quinquagésima

Há perguntas que podem causar consternação, por serem de tal modo violentas e traiçoeiras. É o caso da pergunta que Judas faz aos príncipes dos sacerdotes do Templo: “Quanto me dais se eu vos entregar Jesus?” (Mt 26,15).

Santo António parece ficar literalmente atingido por esta pergunta, ao ponto de subitamente exclamar: “Que horror!” Porque, na verdade, sente-se um verdadeiro horror quando é traída e negociada uma das dimensões mais sagradas das relações humanas: a amizade.

A relação que Jesus tinha estabelecido com os seus discípulos − e, portanto, também com Judas − foi marcada por uma grande confiança, paciência e benevolência: atitudes de valor inestimável!

E o nosso Santo atinge logo o alvo, quando pergunta o que é possível dar em troca de um tesouro tão imenso como aquele que nos foi dado por Jesus com a sua amizade que salva. Absolutamente nada!

Temos de reconhecer que o que Judas fez não é algo que pertence apenas ao passado e que só a ele diz respeito. Também nós podemos fazer a mesma experiência, sentir todo o peso da nossa miséria e fragilidade, escolhendo caminhos fáceis, formas de traição ao amor, procurando sozinhos a “salvação” por meio de comportamentos que, no final, desvalorizam o outro e o humilham. Quando procuramos a salvação através do domínio, nos jogos de poder ou no endeusamento de nós mesmos, inevitavelmente alguém fica a perder, alguém fica injustamente mais pobre, alguém é humilhado. Torna-se importante olhar para Judas e reconhecer na sua traição todas as nossas falsidades.

No entanto, nas palavras de António, quando nos distanciamos da amizade do Senhor, temos uma preciosa ajuda para reencontrarmos o caminho: basta “purificar o coração e enchê-lo de piedade”. Um ponto de partida seguro parece ser precisamente este: manter viva a memória de quanto Jesus nos ama, de quanto fez e continua a fazer por nós.
Este estilo incomparável do Senhor, de auto entrega absoluta, deve ser saboreado com o coração, experimentado em profundidade. Há que manter viva a sua memória, geradora de uma amizade sincera.

Depois das nossas traições, voltemos para o Senhor, pedindo-lhe misericórdia. Judas não fez isso, pois enforcou-se no laço da sua solidão, em vez de voltar à fonte luminosa da ternura de Deus. Tantas e tantas vezes, ao longo da nossa vida, seremos chamados a esta estratégia de salvação: recomeçar de novo a partir daquele que só tem uma palavra a dizer-nos: a do seu perdão sem limites.

Foto da capa: O beijo de Judas, Giotto di Bondone (1267-1337), detalhe do ciclo dos frescos Vida e Paixão de Cristo, 1303-1305, Cappella degli Scrovegni, Pádua, Commons
Wikimedia.

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