Não será o cuidado vital para todos?
Work & Care (Trabalho e Cuidado) é um dos temas de que trata uma das 12 aldeias da Economia de Francisco. Jovens de todo o mundo criam fóruns, discutem ideias, fazem propostas para que o cuidar possa assumir a sua devida importância na sociedade atual.
Não há vida sem cuidado. Se não cuidarmos de nós, não seremos capazes de cuidar dos outros e se outros não cuidarem de nós quando precisarmos, certamente pereceremos. É um círculo de vida que se nutre entre si.
E é pela sua suma importância que a prática do cuidado não devia estar restringida a uma classe, nem a um género, nem ter mínimo de idade. Devia ser intrínseco à educação de qualquer cidadão, para que possa exercê-lo de uma forma orgânica.
Tempo dedicado especificamente ao cuidado
No entanto, apesar de óbvio, a sua execução é complexa e requer uma reestruturação na forma como a sociedade se organiza, nomeadamente na forma como distribuímos o nosso tempo.
Jennifer Nedelsky, professora canadiana de Direito e Ciência Política na Faculdade de York, é autora e ativista do A Care Manifesto: (Part-)Time For All, documento onde sugere uma sociedade que não ponha o trabalho ao centro, mas que permita que, na semana de trabalho, haja tempo dedicado especificamente ao cuidado. Para isso, elenca três principais consequências que surgem de uma sociedade cansada e sistematicamente orientada para os resultados laborais:
- Um stress insustentável sobre as famílias;
- Desigualdade persistente para as mulheres e cuidadores;
- Decisores públicos ignorantes quanto aos requisitos para bem cuidar da vida.
A proposta central é a de diminuir as horas semanais de trabalho de 30 para 12 horas, para que possamos destinar tempo ao cuidado, potenciando uma nova norma social, onde o cuidado é visto como uma incumbência moral e cívica a que todos os cidadãos se devem sentir impelidos. Afasta assim a necessidade de políticas que imponham horas na semana para cuidar, mas acredita antes que essas políticas devem criar um ambiente propício para que assim aconteça.
Não é sustentável continuar a educar as gerações futuras em estruturas familiares sufocadas, que todos os dias se contorcem para oferecer aos seus filhos estabilidade financeira e, em igual proporção, estabilidade emocional. Esse fino equilíbrio, quando conseguido, é muitas vezes a custo do cuidado pessoal, que mais tarde ou mais cedo, acaba por dar sinais de si e colocar em falência todo o círculo do cuidado, já referido.
Nedelsky defende ainda que não pode haver formas de cuidado mais nobres que outras e que nunca seremos capazes de ser uma sociedade integralmente justa enquanto não conseguirmos que qualquer pessoa, independente do género ou classe social, seja capaz de cuidar, através das tarefas mais básicas. Ou seja, não basta ganhar mais tempo, é necessário que não se cultive a ideia de que, para ou por ganhar mais dinheiro, contratamos quem faça o jantar aos nossos filhos ou quem mantenha a casa limpa (sendo isso inclusivamente, um sinal de status social). Essas são também formas de cuidado a que devemos aceder. Especialmente porque é através delas que revemos a dificuldade das tarefas mais pequenas e simpatizamos com o outro. De facto, a empatia é o ingrediente essencial para cuidar.

Cuidado igualmente repartido e desejado por ambos os pais
No que concerne às desigualdades para as mulheres, é já hoje claro que no atual sistema, este equilíbrio será difícil de atingir. Não se trata apenas de garantir que as mulheres não sejam prejudicadas pela sua biologia, pelo dom da vida, que as afasta do trabalho por longos meses. Mas se este equilíbrio não for conquistado devidamente, teremos sempre um género enfraquecido no que respeita, por exemplo a questões tão simples como a reflexão política, essencial para exercer o direito de voto de forma consciente.
Uma mãe de três filhos, ainda que trabalhando menos horas, se chega a casa e tem mais uma jornada de 6h horas pela frente, dificilmente consegue acompanhar a vida política do seu país, ler artigos, assistir a entrevistas… Se se tornar amplamente aceite que o cuidado deve ser igualmente repartido e desejado (sendo que este desejo é fortemente influenciado pelas normas sociais) por ambos os pais, então será mais fácil que este equilíbrio aconteça.
Mas para que haja uma estrutura que sustente esta nova forma de pensar a sociedade, é fulcral que tenhamos decisores políticos não só conscientes, mas experientes no cuidado.
Só os cuidadores podem aspirar à verdadeira politica
E neste ponto, Jennifer Nedelsky é bastantes radical: não devia ser permitido o acesso a cargos políticos, de qualquer natureza, a quem nunca tivesse tido uma experiência continuada, enquanto cuidador – quer fosse cuidar de um parente doente, de um filho ou através de trabalho voluntário. Desta forma, quem cria políticas, nos mais diferentes âmbitos (fiscal, ambiental, laboral…) estaria sempre profundamente marcado por esta experiência que iria condicionar positivamente a sua atividade.
Pelo nosso profundo vínculo a Jesus e a Nossa Senhora, é nos fácil perceber que o cuidado pelo outro é a razão vital pela qual fomos criados e que é através das diferentes formas do cuidado que cumprimos aquilo que Deus nos pede: “Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei”. Mas é essencial que o cuidado se torne uma prática comum e natural a todos. Sejamos testemunhas ativas da Alegria que há no cuidar e encontremos formas de influenciar positivamente a sociedade para esta Alegria.
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