Todos os caminhos vão dar a Fátima

11 mulheres vão a pé, de Vinhais, Trás-os-Montes, ao Santuário de Fátima. São quatrocentos quilómetros para fazer em nove dias, em Maio de 2016. Na versão ‘curta’ do filme (153 minutos), não ficamos a saber as razões que as levam a fazer tamanho sacrifício, a aguentar o sol e a chuva, o cansaço e o quase desespero em tantos momentos. Dizemos filme, mas a verdade é que se parece mais com um documentário feito por alguém que se dispôs a acompanhar aquelas 11 mulheres naquela peregrinação.
Não é um filme sobre Fátima, não é um filme sobre a Fé. Não questiona, não critica, não explica. Acompanha, dá a ver o caminho, as suas muitas dificuldades e como a peregrinação se vai tornando uma ‘panela de pressão’ com a incapacidade – à medida que os dias e os quilómetros vão passando e o cansaço e dores se acumulam – de gerir as relações e tensões entre aquelas mulheres. Aquelas peregrinas, que vão a caminho de Fátima, não deixam de ser quem são na sua vida de todos os dias, em Vinhais. Nem os cânticos religiosos ou a oração do terço as transformam, sem mais, em santas. Por isso, mesmo sendo uma peregrinação religiosa, assistimos – incrédulos? – a momentos de mesquinhez e desconfiança, de ajuste de contas, de juízos morais e maledicências e a muitos palavrões. A par de momentos de solidariedade e entreajuda, de choro e de riso, de comoção e libertação. E não apenas quando finalmente chegam – realmente – ao Santuário e se deixam envolver pela força espiritual do lugar, mas já durante o caminho.
Qual é a força que move estas mulheres (e todos os outros que peregrinam, de mais longe ou mais perto) e as faz enfrentar – tantas vezes repetir – um sacrifício tão grande?
O próprio realizador, João Canijo, explica que, em Fátima, quis filmar a relação de cada uma das mulheres com a fé: “A necessidade da fé, a necessidade que a humanidade tem de algum tipo de fé. Não é forçosamente a católica, a humanidade sempre teve essa necessidade de acreditar em algo transcendente e isso foi uma coisa que sempre me interessou muito, perceber porquê. Não pretendo explicá-lo, mas perceber até onde é que isso pode levar as pessoas”.
Talvez por tudo isto, um jornalista completamente insuspeito – Daniel Oliveira –, ateu e oriundo da esquerda comunista, como ele próprio diz, pôde escrever, por exemplo: “É difícil compreender este nosso povo sem compreender o culto mariano, a função libertadora do sacrifício e a experiência coletiva da fé. É difícil compreender este povo sem compreender o que é uma peregrinação a Fátima, retratada com a comovente e habitual honestidade de João Canijo”.
E também: “Muitos dos católicos que conheço não reconhecem nos supostos milagres de Fátima um elemento relevante na sua fé…”.
Eu, que nunca fui a Fátima a pé e me reconheço nestes católicos, confesso que fui surpreendido por este filme-documentário e que me sinto ainda muito incapaz de compreender este ‘fenómeno’. E não sei como corresponder ao desafio da ‘evangelização da religiosidade popular’, como nos pede o papa Francisco, por exemplo. Talvez fazer como ele.
Somos todos humanos, demasiado humanos, como alguém disse, e a peregrinação a Fátima, para muitos que se sentem esmagados pelo peso da vida, é seguramente um caminho de elevação e libertação. De redenção e salvação.
O filme Fátima saiu recentemente em DVD e merece ser visto.

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