O título surgiu-me nestes dias em que me foi pedido para transcrever uma conferência online partilhada com outros intervenientes, em maio de 2020, logo a seguir ao primeiro confinamento provocado pela Covid 19. O tema era: “O que é que pode representar para nós este tempo de Lázaro?”.
O primeiro pensamento com que me deparei naquela altura, foi Lázaro de Betânia, irmão de Marta e Maria, que Jesus ressuscitou depois de quatro dias “aprisionado e encerrado no sepulcro” (cf. João 11). Bombardeados constantemente com o convite perentório para “ficar em casa”, também nós, nos sentimos “sepultados” entre quatro paredes, experimentando uma certa morte daquilo que era o nosso viver anterior.
Relações, vida laboral, encontros de família e vizinhança, desporto, vida religiosa, lazer e viagens: tudo ficou parado, numa atmosfera surreal de vazio e silêncio.

E juntamente aos versos que à janela alguém cantava ou pintava, “vai ficar tudo bem!”, na verdade tivemos que lidar com sentimentos de medo, de insegurança, de tensão e, sobretudo para os mais idosos, de solidão. Tivemos que reconhecer que não somos donos de tudo, que a normalidade que ficava para trás era doentia, até patológica, feita de frenesim, ligada ao ter e ao aparecer. Tivemos a oportunidade de descobrir que o “sepulcro” de Lázaro de Betânia não era apenas um lugar de morte e de isolamento, mas sim um espaço de “gestação”, um seio materno para renascer, da noite escura do individualismo para uma nova luz de esperança e amor solidário.
Em 2021, iniciou-se o tempo da vacina, do sonho de debelar o vírus, com os nossos meios e conquistas. A vacina veio trazer serenidade para alguns, suspeita para outros, cavando ainda mais a divisão entre países ricos e países pobres. Entramos no tempo de Lázaro da parábola de Jesus, cheio de chagas, que gostaria de apanhar algumas migalhas do pão que caiem da mesa do rico. Mas não consegue, porque infelizmente, muitas vezes, os animais têm prioridade (cf. Lucas 16).
A pandemia gerou mais pobreza, quer nos países economicamente menos desenvolvidos, onde continuam a alastrar guerras e conflitos, quer nas periferias e aldeias do nosso Ocidente, sobretudo lá onde muita gente perdeu o seu emprego e não tem condições para pagar a renda, ou manter os filhos na escola ou chegar ao fim do mês com os gastos da alimentação e medicação.
Eis que o dia mundial do pobre que o Papa criou na Igreja, anos antes da pandemia, assume um significado ainda mais importante para nós cristãos, neste “tempo de Lázaro”! Há muitos Lázaros à nossa volta, anónimos e envergonhados, que precisam ser vistos e socorridos.
Este tempo de Lázaro de Betânia e do pobre Lázaro da parábola é o tempo propício em que somos chamados a sair da escuridão do sepulcro, reapropriando-nos de sentimentos de louvor e de gratidão por uma vida que renasce, que se abre à esperança, à confiança e à solidariedade.
Foto da capa: Sem abrigo e funcionário de escritório almoçando juntos na rua. ©alfa27 – stock.adobe.com
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