Na cidade de Atlanta, capital do estado norte-americano da Geórgia, há um museu diferente e imperdível, um museu onde se pode mexer em (quase) tudo, onde nos pedem para fotografar e para partilhar essas fotografias e onde não é preciso falar baixinho. À entrada, o visitante escolhe uma das três bebidas que lhe oferecem. À saída, numa enorme sala, que é a última antes da loja, o visitante pode servir-se de uma ou de todas as mais de 100 bebidas disponíveis.
É o museu da Coca-Cola, ou como lhe chamam World of Coca-Cola − mundo da Coca-Cola. Nessa última sala, sob o imperativo Taste it! (Prova-o!), os dispensadores estão organizados em cinco círculos, divididos por Europa, Ásia, África, América do Norte e América Latina.
Além do divertimento inesperado – mesmo para quem não gosta de Coca-Cola e afins –, olhar este espaço e saborear estas bebidas é uma oportunidade para refletir sobre a nossa realidade: trata-se de um impressionante mapa mundi contemporâneo e, no simples gole de uma bebida açucarada, o indivíduo prova a estranheza ou a afinidade com o desconhecido, subitamente ali tão perto.

O planeta reorganizado em cinco continentes, em que a América está dividida entre um ponto cardeal, o norte, e uma discutível identidade sintética, a latina.
Hoje, quando falamos em globalização é este o entendimento que genericamente temos: um mundo próximo, parecido, organizado, mercantilizado, ao alcance de todos, colorido, doce… Um mundo “exótico” q.b., o suficiente para ser atrativo, numa aparência de identidades plurais. Esta encenação comercial no museu em Atlanta é uma metáfora do mundo americanizado que, em qualquer parte do globo, consumimos diariamente, em doses mais ou menos intensas, de forma normalmente acrítica. É a ideia “arrumada” de um mundo ao alcance do dedo, uma realidade filtrada pelo ecrã táctil
O conceito de globalização, tal como o entendemos hoje em dia, deve mais à economia do que à cultura, mais ao mercado do que ao pensamento, mais ao futuro do que à memória.
A globalização faz-se atualmente em língua inglesa e só nos discursos hagiográficos da empresa dos descobrimentos dos séculos XV e XVI, lemos a certidão de nascimento do mundo contemporâneo em português e em espanhol, usada como argumento para sustentar o papel de Portugal e da Espanha no xadrez da política mundial.
A viagem que agora celebramos nasce de um equívoco (a localização das ilhas das especiarias) e conta-se cheia de derrotas e de morte, incluindo a do comandante da expedição, Fernão de Magalhães. É o espanhol Juan Sebastian Elcano que regressa à Península, com apenas 17 homens e uma das cinco naus que tinham partido. O objetivo não fora circum-navegar a terra, mas sim o de encontrar especiarias, fazer comércio, aumentar a riqueza, dominar povos e territórios. Esse objetivo foi alcançado, porém a viagem ultrapassou os limites da geografia e construiu-se como marco indelével de um mundo novo, que podemos continuar a descobrir se o soubermos olhar.
No adjetivo novo cabem muitos outros adjetivos e, sobretudo, o nome mundo tem tantas e tantas leituras. Saber habitar este mundo novo, hoje, será talvez o desafio mais difícil: conhecer a terra, olhar os homens, ter horizonte e os pés no chão, ser europeu, procurar a convivialidade, saber ser hóspede e hospedar…
Os desafios são muitos e o mundo (que mundo?) é sempre velho e sempre novo. No mundo global, não queremos um falso local. Queremos mais do que a vida arrumada em dispensadores automáticos. Bem mais do que o simulacro de pluralidade que provamos nas doces bebidas do World of Coca-Cola.
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