Os portugueses sempre tiveram uma relação especial com Santo António e não esqueceram nunca que foi em Lisboa que nasceu no final do século XII. É uma relação de proximidade e intimidade, em que o santo é considerado como um membro da família, a quem se recorre em caso de necessidade, e com quem se zangam quando a coisa não corre de feição.
Já no século XVI, o Padre António Vieira denuncia esta relação, comentando nos seus sermões que era um santo a quem tudo se pedia, por vezes até coisas menos lícitas.
Fazem parte destes pedidos os processos a que se chama deitar as sortes a Santo António, atos divinatórios e precursores que apelam à fama do santo casamenteiro e às tradições populares que celebram a chegada do verão: queimar a alcachofra na noite de Santo António para ver se reverdece, virar o Santo para a parede ou de cabeça para baixo para que cumpra o pedido, lançar uma moeda na sua estátua em Lisboa, rezar o responso sem enganos para que apareça o perdido…
Estas sortes e tradições de Santo António não são exclusivas de Portugal, mas estendem-se a Espanha e por toda a América Latina, especialmente no Brasil, onde a religiosidade adquire uma expressividade própria.
Leite de Vasconcelos, Teófilo Braga, Armando Matos, Luís Chaves, entre outros etnógrafos portugueses de finais do século XIX/início do século XX recolheram muitas destas tradições, algumas das quais chegaram até aos nossos dias, embora agora, a maioria das vezes, estas sejam encaradas apenas como memórias de tradições do passado, mas que nos recordam que o período é de festa e que a alegria faz parte da vida.
Foto da Capa: “(…) Um costume que havia em Viana do Castelo, de as raparigas, quando queriam casar, irem furtar da igreja de S. Bento uma imagem de Santo António, costume que terminou, pois os frades pregaram a imagem ao altar”.
in Armando de Mattos, Santo António na Tradição Popular, Porto, 1937, p. 82.
Ilustração de Pedro Ribeiro Ferreira para o livro Sortes e Tradições de Santo António em Portugal, ed. Museu de Lisboa – Santo António, 2023.