Somos todos irmãos

Je suis Samuel | Je suis frère

Poucos dias após a eleição Papa Francisco, o monge Enzo Bianchi acalmava a grande alegria inicial de muitos católicos, afirmando que se este Papa vai viver e anunciar o Evangelho de maneira radical, bem cedo experimentará a perseguição, como aconteceu com Cristo Jesus, porque a autêntica vida cristã é marcada pela cruz.

Todos concordam que Francisco já não é tão popular como o foi na primeira hora do pontificado. No entanto, continua a ser ele mesmo, coerente com a palavra do Evangelho e com as primeiras palavras pronunciadas no dia 13 de março de 2013.

Começa um caminho de Igreja, bispo e povo, um caminho de fraternidade, amor e confiança, um caminho de oração para que haja uma grande fraternidade em todo o mundo.

O Papa não escolheu o nome do Santo de Assis para ser original, mas sim para buscar inspiração no seu ministério de pastor da Igreja neste tempo tão desafiador. Infelizmente, também entre os católicos, há uma imagem de São Francisco às vezes naïf (uma aguarela para crianças), outras vezes green (o santo da ecologia desligada da vida humana e social), ou ainda uma imagem light (esvaziada da conformação com Cristo pobre e crucificado, resvalando para uma espiritualidade intimista).

Devemos ao Papa a capacidade de nos restituir, oito séculos depois, um São Francisco interpelador perante os grandes desafios e dramas da nossa época! Vai Francisco e repara a minha casa: em Francisco de Assis o Papa encontra a inspiração e a força para a renovação da nossa Igreja tão abalada e cansada.

Não te esqueças dos pobres, tinha-lhe sussurrado aos ouvidos, no momento da eleição, o franciscano cardeal Humme. E com as duas encíclicas Laudato si’ e Fratelli Tutti, o Papa Francisco procura inspiração em São Francisco para chamar todos ao cuidado da casa comum e lembrar que somos todos irmãos e irmãs porque filhos da mesma terra.

Se na Laudato Si’ o Papa escolheu o Cântico das Criaturas para nos lembrar que a criação é um presente que o nosso Pai nos deu, na Fratelli Tutti cita a Admoestação VI, de São Francisco, que inicia com estas mesmas palavras: Omnes fratres, todos irmãos, para indicar o caminho da fraternidade como resposta ao anseio de paz e de justiça.

O tema da fraternidade está muito presente nos escritos de São Francisco, de tal modo que um grande historiador franciscano, alemão, Kaietan Esser (1913-1978), definiu as Admoestações de São Francisco (breves discursos aos frades por ocasião dos encontros capitulares em Assis) como a Magna Carta da vida fraterna.

Só um homem, cheio do Evangelho de Cristo, como São Francisco de Assis, podia dizer, com uma palavra autenticada pela vida, que nesta terra somos todos irmãos. Se na juventude o gesto emblemático que lhe reconhecemos é o do beijo do leproso, provocando uma viragem na sua vida, perto do fim da vida há um outro gesto de irmandade, o do abraço ao sultão do Egito. Eis então que, oito séculos depois, Francisco continua a ser apresentado como modelo de cristão autêntico, irmão universal, homem novo, que nos ensina a habitar a terra e o tempo atual.

Está na moda manifestar solidariedade para com as vítimas de atos de terrorismo ou catástrofes (nem sempre todas), afirmando: Je suis… (Eu sou…). Alinho também eu, mas mudando o atributo do sujeito: Je suis frére, quer dizer: Eu sou/sinto-me irmão, porque somos todos irmãos, nesta casa comum, a terra, nossa mãe e nossa irmã.

Foto da capa: Fotomontagem MSA a partir de “Homenagem ao professor Samuel Paty decapitado em Paris, França.Samuel era professor de história e tinha recentemente mostrado caricaturas do Profeta Maomé na sala de aula. Foto: EPA / Clemens Bilan”

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