É pela primeira vez publicada em Portugal, no período mais recente, uma obra de uma cisterciense: tal facto justifica, por si só, a maior atenção possível. Trata-se de Beatriz de Nazaré (1200-1268), prioresa cisterciense, mística e beguína da região da atual Flandres. As Beguínas foram um movimento espiritual pleno de vitalidade que povoou a região envolvente ao rio Reno durante a Idade Média. Formado por monjas de ordens religiosas (cistercienses ou dominicanas) e por mulheres no estado civil, este movimento surgiu nos alvores da civilização burguesa, da emergência das línguas contemporâneas (com as suas Cantigas de Amor) e da renovação espiritual associada a nomes como Francisco de Assis ou Mestre Eckhart (que a elas esteve ligado).
O poema Sete Maneiras de Amor Sagrado – aqui traduzido por Arie Pos e acompanhado de um estudo da autoria de Joana Serrado e Maria Pinho, da Universidade do Porto – sintetiza, na beleza da sua linguagem, os traços espirituais que este movimento procurou na vida fraterna, na caridade, na liberdade face aos vínculos institucionais e na vivência poética e litúrgica da fé: a união com o mistério divino como um caminho de amor, de transformação do amado e amante na presença e ausência, encontro e desencontro que qualquer aliança implica. Encontramo-nos com uma tradição espiritual e narrativa que percorre as Confissões de Santo Agostinho, o Castelo Espiritual de Teresa de Ávila ou a Subida ao Monte Carmelo de João da Cruz. Ler as Sete Maneiras de Amor Sagrado é encontrar-se com um texto áureo da tradição cristã medieval; mas é também encontrar-se com a beleza de um poema intemporal.
“A beleza do amor comeu-o, a força do amor digeriu-o, a doçura do amor afundou-o, a grandeza do amor devorou-o, a nobreza do amor abraçou-o, a pureza do amor adornou-o e a altura do amor transportou-o para cima e uniu-o nele pelo que todo ele tem de ser amor e não pode senão praticar amor”.
Beatriz de Nazaré, Sete Maneiras de Amor Sagrado, Afrontamento, 88 páginas.