Neste filme, aparentemente tão trivial e simples, nada é o que parece e, no fim, ficaremos ainda com mais dúvidas. Afinal, o que é uma família? Talvez seja esta a pergunta que o realizador japonês, Hirokazu Kore-eda, quer que fique a ‘incomodar’ o espectador. Talvez.
O filme começa com um homem de meia-idade (Osamu) e um miúdo (Shota) a roubar − de maneira combinada e já habitual – num supermercado. De regresso a casa e já depois de comprarem ‘os melhores croquetes’ que comem felizes, reencontram uma menina, abandonada e ao frio, e decidem levá-la para casa. A ‘família’ que encontramos é grande e nem sequer se percebe bem como cabem todos naquele espaço tão pequeno e sem privacidade. São pobres. Mas o trabalho também não parece ser uma grande preocupação.
Com a reforma da avó e o emprego da mãe dá para ter uma vida remediada, mas feliz. Sente-se que são atenciosos uns com os outros. Tão atenciosos que, quando a menina chega e se dão conta de que ela tem sinais de maus-tratos, desistem de ir à procura dos pais, adotam-na e cuidam dela. Para eles, como depois se verá, o mais importante não são os laços de sangue.
Afinal, não é a única. Lá mais para diante, tomaremos consciência de que Shota não chama pai a Osamu, por mais que este lhe peça. E que uma outra rapariga (Aki), irmã mais nova da mãe (Nobuyo), também acabou por vir ali parar por alguma coisa que nunca chega a ser muito clara.
A verdade é que, vivendo à margem da sociedade, nós não conseguimos deixar de estar ao lado deles, porque percebemos que são uma ‘família feliz’. Com todas as suas trapalhadas e mentiras, eles pertencem uns aos outros, estão bem uns com os outros, cuidam uns dos outros.
Até que o miúdo (Shota) é apanhado a roubar e… E tudo se precipita. E tudo se desmorona. Então ficamos a saber quase tudo sobre todos eles e as suas ambiguidades (os adultos, que parecem bons, afinal também carregam crimes e maldades).
Uma Família de Pequenos Ladrões mostra-nos pessoas que fazem coisas erradas pelos melhores motivos. E há uma certa ambiguidade, que serve para denunciar a hipocrisia social, que o filme deixa em aberto diante de nós.
No final, a menina abandonada e adotada, devolvida pela justiça aos seus pais biológicos, está na varanda e olha o horizonte vazio.
E assim, este filme faz pensar como, às vezes, a mentira pode ser mais verdadeira que a verdade. Nestes tempos em que dizer ‘família’ significa situações tão diferentes, este filme pode ser visto como um retrato tocante e simbólico.
Confusos? O melhor mesmo é ver o filme.
Shoplifters – Uma família de pequenos ladrões, de Hirokazu Kore-eda,
Drama, M/14, Japão, 2018.
Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes