As pessoas pensam que o futuro das revistas passa pela transição da edição em papel para a versão digital, mas parece-me que isso possa não ser tão cognitivamente sustentável como parece. Ao longo da última década tenho-me apercebido de que a relação com as palavras lidas em papel é muito diferente da relação que temos com as que lemos num ecrã. Há, ainda, um futuro sustentável para as revistas e os livros em papel?
Um ecrã torna as palavras, ideias e pensamentos em “não-coisas”. Pois, o conteúdo da informação que nos apresentam não tem forma, mas adapta-se a qualquer forma. Os tweets oferecem pinceladas culturais, mas os textos lidos em papel oferecem autênticos quadros onde experimentamos um deleite cultural. Isto é, não podemos fazer swipe ou scroll (tudo gestos do dedo que desliza pelo ecrã) quando contemplamos um quadro. Do mesmo modo, quando lemos em papel não temos qualquer hipótese de sermos distraídos por algo que emerge na página por cima do texto, nem podemos sequer apagar a página. Um texto em papel é uma “coisa”.
Maryanne Wolf é autora e investigadora da leitura e tanto em Proust and the Squid como em Reader, come home refere que nós, humanos, não nascemos para ler. E recorda que a leitura altera o modo como pensamos, não só em termos de conteúdo, como também em termos físicos ao reordenar as ligações no nosso cérebro. Antigamente, os mineiros levavam um canário para a mina porque se ele morresse era sinal de que o ar estava a tornar-se irrespirável e havia perigo de vida.
A leitura em papel é cara e a digital é grátis. Será?

Diz Wolf que “a leitura é o canário da mente”. E, enquanto a leitura digital nos torna impacientes, — “Demasiado longo. Não li”. — a leitura em papel aumenta a nossa paciência cognitiva, a qualidade da leitura e, consequentemente, a qualidade do nosso modo de pensar. O problema, aparentemente, é que a leitura em papel é cara e a digital é grátis. Será?
Não acredito que alguém tenha vivido cada semana do ano sem achar que desperdiçou €1. Porém, se não tivesse desperdiçado esse euro e o tivesse guardado, ao fim de um ano (descontando a semana do Natal e a da Páscoa), teria acumulado €50 que produtivamente poderia usar e investir numa assinatura de uma revista em papel. Por isso, uma assinatura de revista não é grátis, mas também não é tão cara quanto pensamos se nos organizarmos. No caso da leitura digital, pensamos usufruir gratuitamente do conteúdo que lemos, mas sem termos autorizado (ou pensado muito nisso), estamos a vender a nossa atenção.
Por outro lado, produzir uma revista ou livro em papel requer um investimento considerável. Por isso, qualquer erro ortográfico ou se o conteúdo não tiver qualidade ou despertar o interesse dos leitores, é natural que um livro não se venda ou uma revista possa desaparecer. Cada número ou volume é fruto de um ou vários curadores que asseguram a eliminação de 99.9% dos erros. No caso dos artigos digitais, como podem ser sempre atualizados, o cuidado nos conteúdos e forma é menor. Como a informação flui muito rapidamente, o que importa é publicar o mais frequente possível e depois corrige-se. Porém, lembram-se daquela frase — Quem conta um conto acrescenta-lhe um ponto. — ? Quem nos garante não só a qualidade, como a verdade? Ninguém. E o que mais me assusta é que nos importamos cada vez menos com isso.
Será retrógrado voltar a investir em força no papel?
Não estamos a cortar mais árvores para isso e a danificar o meio ambiente? A indústria do papel não é perfeita, mas o professor Gary Scott da SUNY Universidade de Ciência Ambiental e Florestas nos Estados Unidos, pela sua experiência e estudo, afirmou para a conhecida revista “Popular Science” que “as companhias de papel extraem a sua madeira de um modo sustentável para que não haja qualquer perda global de terreno florestal”. Por isso, usar papel é, hoje, substancialmente mais sustentável do que antes.
Mas existe um argumento final
Ler em papel pode não ser grátis, mas suscita a gratidão, se soubéssemos, profundamente, o bem que nos faz e quantas pessoas estão dedicadas a cuidar bem de tudo aquilo que será impresso. O excesso de informação na web e a incerteza na sua fiabilidade fazem da leitura digital uma possível fonte de poluição cognitiva (basta pensar nas Fake News e teorias da conspiração).
O papel faz de nós leitores sustentáveis porque quem tem nas mãos aquilo que lê, não se cansa tanto de ler, fazendo da leitura uma fonte de energia cognitiva renovável que configura o nosso pensamento e experiência de vida. Algo inigualável por qualquer via digital.
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