Santo António pregador ecológico

Acabámos no mês passado o Ano Laudato Si’, que o Papa Francisco quis para fomentar boas práticas à luz da Encíclica sobre o Cuidado da Casa Comum.

Costumamos associar o tema da ecologia, do respeito e da salvaguarda do ambiente a São Francisco. No entanto, também o nosso António de Lisboa tem algo para nos ensinar sobre o “cuidado da nossa mãe Terra”, não só através da sua vida, mas também através da sua palavra, nomeadamente nos Sermões, que estão repletos de referências à natureza.

Toda a sua vida é marcada por um contacto único com a natureza. Bastam algumas simples pinceladas. A sua permanência na colina dos Olivais às portas da cidade de Coimbra onde abraçou os ideais da vida franciscana. A sua viagem até Marrocos e depois da Sicília até à cidade de Assis: um peregrinar por entre cidades, aldeias e serras, em contínuo contacto com a natureza, alimentado-se dos frutos silvestres. E, depois, de Assis até ao eremitério de Montepaolo no centro de Itália, onde ainda hoje existe uma gruta onde o nosso Santo costumava retirar-se em oração e contemplação. Finalmente, a planície de Camposampiero, com a cabana entre os ramos de uma nogueira, onde rezava e no final do dia pregava aos camponeses que regressavam dos campos.

Os exames aos seus restos mortais, em 1981, pelos professores de Medicina da Universidade de Pádua, revelaram que Santo António foi um caminhante incansável e um grande penitente… muito tempo de joelhos e alimentação simples e frugal.

Mas o conhecimento da natureza e as referências ao ambiente revelam-se sobretudo nos Sermões, repletos de citações, não só da Sagrada Escritura e dos Padres da Igreja, mas também do livro da natureza.

Num tratado sobre os pregadores, escrito em meados do séc. XIII, por Umberto de Romanis, encontramos esta afirmação: “O bem-aventurado António afirmou que as criaturas são um livro”. De facto, António de Lisboa, na sua pregação, utilizou com grande profusão toda a informação do seu tempo sobre as ciências naturais e a sua interpretação, através dos vários manuais, chamados de “bestiários, ervários e lapidários”, encontrados nas bibliotecas de São Vicente de Fora em Lisboa e de Santa Cruz em Coimbra.

Nos Sermões de António, podemos encontrar 194 espécies animais, vegetais e minerais, num total de 605 referências; mas há também referências a elementos cósmicos e a fenómenos meteorológicos.

No entanto, Santo António não é “ecológico” como São Francisco. Para Francisco de Assis as criaturas são algo de concreto (irmãos e irmãs, cf. o Cântico das Criaturas) e objeto de contemplação e louvor a Deus. Para António as criaturas são alegorias e símbolos para o seu ministério de pregação moral aos homens.

Contudo, o conhecimento e a seriedade com que António recorre ao “livro da natureza” para pregar a conversão a Cristo e ao Evangelho, poderiam ajudar-nos, como crentes, a iluminar a nossa reflexão sobre a espiritualidade e a ecologia integral de que fala o Papa Francisco na Laudato Si’.

Um exemplo curioso é quando Santo António fala da abelha:
“O nome abelha (apes em latim) provém de “a” privativo, que significa “sem”, e pés, pelo fato de parecer nascer sem pés. Ou também têm este nome porque ligam entre elas os pés”.

Num dos sermões a abelha é utilizada para representar a pureza da Virgem Maria, num outro como modelo de Maria Madalena que vai ao sepulcro de Cristo e ainda, num outro, como símbolo de Cristo ou como modelo do pregador. Deste modo, Santo António procura constantemente elementos da natureza interpretando-os simbolicamente, como espelho de Deus e pegadas que nos levam ao mesmo Criador. Talvez valha a pena aprofundar os estudos sobre a pregação de Santo António de Lisboa para descobrir, há 800 anos atrás, a sua pegada ecológica, como bom filho de São Francisco.

Foto da capa: Exposição Arte da Terra /Santo António. Foto MSA 2015.

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