O encontro é estimulante e fecundo: uma das mais significativas escritoras portuguesas do século XX com uma personagem maior da Idade Média cristã. O resultado não é uma biografia com desejo de neutralidade nem uma vida de santo focada nos exemplos das virtudes morais. Santo António apresenta antes uma lenta e longa meditação sobre uma figura e um tempo históricos, romance sem ser ficção, reflexão sem ser tratado. Uma leitura da aventura de ser humano.
Agustina alia a sua capacidade única de contar os processos e caminhos da existência humana com um conhecimento invejável da tradição espiritual e teológica cristãs. O contacto permanente com os sermões e as legendas de Santo António une-se à visita contemplativa dos locais por onde passou em Itália, o confronto com os autores que terá lido (de Agostinho a Dionísio o Areopagita, da Bíblia a Orígenes) e a mundividência dos medos e desejos do ser humano medieval, expressos nos relatos de milagres e na devoção ao Santo. Desta aventura literária brota uma expressão singular do que é a experiência cristã, feita na liberdade e originalidade que só uma pertença pessoal permite. António recebe aqui um louvor maior: o do trabalho da própria língua portuguesa, que recebe o seu património espiritual, o interroga, o lê sem preconceitos e falsos panegíricos e o situa no mais denso terreno humano, onde o próprio Deus encarnou.
A sua palavra, auxiliada por uma energia que decerto não chegava a ter definição na consciência das pessoas, possuía a força de tocar os pecadores a ponto já não só de abandonarem o caminho do erro mas de se desinteressarem dele. Porque quase nunca a conversão é prodígio da alma, mas sim mudança de rumo do afeto (…) António era a experiência que faz com que se considere Deus como um ser pessoal.
Santo António
Autor: Agustina Bessa-Luís
Edição: Relógio d’Água
Páginas: 200