Salvo pela natureza

Tinha um problema de natureza interior. Vivia uma situação relacional dolorosa e encontrava-me num autêntico buraco negro. Não conseguia escapar e deixar de pensar naquela dor que crescia dentro de mim e me fazia sentir uma tristeza profunda. Adormeci com as lágrimas nos olhos e as poucas palavras que dizia ou dirigia para mim mesmo, ou para Deus dentro de mim, não sei. No dia seguinte faria uma longa caminhada.

De mochila às costas, calçado apropriado, água e na companhia de alguns amigos, partimos na direção da floresta.
Maravilhado com as grandes e criativas casas das aranhas feitas de uma geometria tal que as teias pareciam pequenas aldeias espalhadas pela floresta; refrescado pela sombra das árvores; alimentado pelas amoras à beira do caminho; gradualmente, a paisagem revelava a grandeza de um mundo no qual eu era uma parte única e pequena.

O buraco negro do dia anterior esfumava-se diante da grandeza da natureza, mas não só.
Subir por caminhos feitos de poeira e terreno seco não é fácil. O calçado é fundamental. Entre nós, a filha de um amigo havia trazido uns ténis com uma sola rasa e pouca capacidade de aderência ao terreno. Quando esse terreno se inclina e aponta para um precipício, temer cair é a reação mais natural. Assim se abria uma oportunidade de fazer inúmeros atos de amor que ofereciam um ponto de apoio seguro para continuar a caminhada. Foi nesse momento que o ambiente natural me fez lembrar o ambiente humano permeado de relacionamentos.

Durante o período em que crescia dentro de mim aquele buraco negro, fora de mim crescia um espaço relacional de amor evangélico com um ou outro com quem conversava mais. E ao dar-me conta disso no meio das árvores, percebi que as dores têm o seu lugar no caminho de crescimento pessoal, mas não são mais do que isso. O Tempo da Criação “recria-nos”. A natureza salva-nos porque nos mostra como a vida interior é mais profunda e valiosa do que pensamos.

Ao final do dia estava bem. O buraco negro tinha colapsado. O sorriso voltou aos meus lábios e percebi a razão para vivermos bem o Tempo da Criação: fazer a experiência da presença subtil e silenciosa de Deus.

Não temos um corpo, somos um corpo. E o relacionamento com a natureza faz-nos sentir as potencialidades e limitações do nosso corpo. Assim como experimentamos um sentido de beleza natural capaz de renovar o nosso interior, também a experiência corporal renova o nosso olhar sobre a interioridade da natureza. E no seu sentido mais elevado é na interioridade natural que podemos experimentar a presença de Deus. Porém, requer uma unidade criativa com o ambiente à nossa volta enquanto caminhamos. Uma unidade onde o corpo não se isola da natureza ou das necessidades dos outros que caminham connosco.

Quando subimos a montanha durante a caminhada, é muito difícil pensar no momento de chegar ao cimo. Para ser sincero, toda a atenção centra-se sobre o próximo passo a dar. Passo após passo com persistência, a um dado momento, sem nos darmos conta chegamos ao cimo. Pensava eu. Bebemos água com um sabor vulcânico (se assim posso exprimir-me). Comemos um gelado. Reabastecemos de água e, para minha surpresa, continuámos a subir! Afinal, a subida anterior era somente uma etapa. A vida autêntica é assim, feita de etapas sucessivas, em vez de sensações de chegarmos ao cimo.

Durante a caminhada vimos outras pessoas que faziam o seu caminho. Estavam bem preparadas e caminhavam como quem faz um desporto. Outras pareciam fazer como quem está de férias ou como um simples passeio entre amigos. Será que a presença de Deus no meio da natureza seria uma ficção que saciava a minha necessidade de sentido, mas não era real? Não deviam aquelas pessoas com quem me cruzava experimentar, também, a presença de Deus se estivesse, realmente, presente?

Caminho de Santigao. Foto MSA 2021.
Caminho de Santigao. Foto MSA 2021.

A dimensão espiritual existe sempre que alguém escolhe fazer uma caminhada pela natureza. Pode não pensar muito nisso ou pensar que o faz por outros motivos e, seguramente, que o faz. Mas enquanto a escolha outrora pelo tempo passado na natureza era inevitável, hoje não é assim. Há algo na natureza que nos atrai. Até mesmo os que fazem desporto podem fazê-lo num ginásio, logo, o que os atrai no mundo natural?

Não creio que haja uma resposta universal. Nem posso dizer que é Deus que os atrai, sem estar a recorrer a um cliché. A mim, atrai-me o desejo de ser salvo. Salvo do buraco negro das minhas limitações para compreender como podem ser uma oportunidade para amadurecer e crescer na vida profunda.

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