R.M.N. – inquietante parábola da Europa

Era bom que os portugueses percebessem que este é um filme que não fala apenas da Roménia e da sua situação na Transilvânia. Escolhi relatar uma história que se passa nessa região porque é uma parte multiétnica do nosso país. Porém, penso que é um filme que fala sobre todos nós, neste mundo, e como nos relacionamos com a globalização e com aqueles que não conhecemos bem. Funciona como um retrato sobre o nosso subconsciente, que alimenta a nossa animalidade, os nossos medos, o nosso lado negro, a nossa dualidade, a nossa tolerância perante a migração – o que se passa ali pode passar-se em qualquer outro sítio… Mas queria sublinhar que para além dos temas importantes, R.M.N. é um filme para o público. O que isto quer dizer? Que é também um filme com ritmo, um thriller. É meu desejo que o público partilhe as sensações do protagonista.

Palavras do realizador romeno Cristian Mungiu, retiradas de uma conversa com o DN, durante o Festival de San Sebastián, que quase tornem obrigatória a visualização do seu último filme: R.M.N..

R.M.N., de Cristian Mungiu, Drama, M/14, 2022, Roménia
R.M.N., de Cristian Mungiu, Drama, M/14, 2022, Roménia

Matthias, ‘um homem corpulento e com cara de poucos amigos’, trabalha num matadouro. Desde o início, a marca da violência e da brutalidade. Logo a seguir, percebemos que Matthias é um imigrante, quando um supervisor, ao vê-lo ao telemóvel fora do local de trabalho, o insulta com um racista: ‘cigano preguiçoso’. Matthias agride-o violentamente com uma cabeçada e foge, pedindo boleia até chegar à sua aldeia, na Transilvânia. Vai reencontrar a sua ex-mulher, Ana, e o seu filho, Rudi, a sua ex-amante, Csilla, o seu pai, Otto, os seus amigos. Matthias é um homem em luta interior, dividido, como se verá na magnífica e central cena de antologia (15 minutos) da assembleia-geral para abordar a questão que pôs a aldeia em polvorosa: expulsar os estrangeiros do Sri Lanka que estão a trabalhar na fábrica de panificação.

De facto, é este o ‘coração’ do filme e a ‘ressonância magnética nuclear’ (R.M.N., feita pelo pai de Matthias e que dá título ao filme) que o realizador faz à aldeia, como metáfora de toda a Europa: uma terra multiétnica, cuja história é feita também de migrantes e de vários povos, onde convivem diferentes línguas, culturas e religiões, mas que é ‘atacada’ pela xenofobia, pelo nacionalismo, pelo ódio, justificados com os falsos argumentos que tantas vezes ouvimos e lemos por aí.

Neste filme metafórico “está a Europa inteira, refugiada na cobardia, e o retrato de todas as suas contradições. E tudo isto é figurado em Matthias, homem sem voz para responder ao futuro. Matthias chegou a um beco sem saída, quer a nível profissional e afetivo, quer a nível político. É um animal enjaulado.” (Francisco Ferreira)
Não é assim que a Europa parece estar? Não é assim que estamos todos?

O que Mungiu mostra é o (re)surgimento daquilo que a Humanidade sempre quis afastar e manter longe das suas aldeias, campos, cidades e sonhos: uma forma de animalidade e de monstruosidade que o século XXI, impiedosamente, está a mostrar iminente.

R.M.N., de Cristian Mungiu, Drama, M/14, 2022, Roménia

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