Nunca ensinei futebol, nem ao José Mourinho, nem ao José Peseiro, nem ao Rui Vitória, nem a nenhum dos alunos que tive a honra de conhecer, nos meus 46 anos de docência, quer em Portugal, quer no Brasil, quer no Chile. Nem ao meu Amigo Jorge Jesus.
No que ao futebol diz respeito, eu é que muito aprendi com todos eles. Sem favor!
Embora as cintilações da memória se vão apagando, com o crescente domínio da aterosclerose, sei o que procurava ensinar-lhes:
- em primeiro lugar, que a ciência só se justifica como fator de transformação pessoal e social;
- que se repensasse o nosso objecto de estudo como construção histórica e decorrente de uma “revolução científica”;
- que, contrariamente à “pedagogia da certeza”, deveria instaurar-se uma “pedagogia da incerteza”, onde deixassem de haver portos seguros e certezas inamovíveis;
- que o desporto deverá estudar-se como uma ciência humana; que o treinador desportivo e o professor de educação física têm, por isso, de consciencializar que deverão cultivar-se, na leitura dos mais marcantes cientistas e literatos.
E chegava a dizer-lhes isto: como complemento ao vosso estudo, leiam os grandes escritores que, ao retratarem a vida, nos dizem o que o desporto é.
De facto, invoca-se o desporto e é toda a aventura humana que acode à chamada – aventura humana que a poesia espelha, admiravelmente.
Nesta altura do Natal, ao mesmo tempo que deixo a todos os meus leitores um abraço sobre o coração, deixo também um poema da minha autoria, intitulado “Quando uma criança nasce”.
E… Boas Festas e um 2020, com muita felicidade e muita paz. Como diriam os latinos: Pax et Bonum!

Quando uma criança nasce
Nada de novo acontece
O mar continua inquieto
E os prédios pestanejam sono
No chão secreto das cidades
Quando uma criança nasce
Os aviões e os pássaros
Misturam-se no ar
Com asas imaginadas
E acordam o silêncio longínquo das manhãs
Quando uma criança nasce
Continuam decapitados os ponteiros
Da tolerância no mostrador do tempo
Tudo parece doente
Como um suor nocturno
Quando uma criança nasce
Os iluministas e os positivistas
Proclamam a resolução de todos os enigmas
Como cavalos de Tróia
Saboreando a mentira
Quando uma criança nasce
Nada de novo acontece
Nem a boiar no oceano de lágrimas dos pobres
Nem nos gemidos de angústia
Dos barcos que vão passando
Quando uma criança nasce
Nada de novo acontece
No imprevisto silêncio dos homens
E no entanto algo de novo aconteceu
Tão novo tão jovem tão fecundo
Que uma criança nasceu
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