Um artigo de Inês Santos e Gonçalo Oliveira
Imaginemos que cada um de nós é como uma casa. Uma casa com vários quartos destinados às várias experiências da nossa vida.
Uma cozinha que nos dá o sustento para o nosso corpo se mover. Uma sala onde convivemos com as pessoas que nos são próximas e com quem partilhamos os bons e os maus momentos. Um quarto que serve de ginásio onde nos permitimos ser ativos no nosso dia-a-dia. Um quarto onde cabem todos os nossos entretenimentos – os livros, os filmes, as séries, etc. Um quarto onde, na simplicidade, nos dedicamos à nossa fé e ao encontro com o Pai. A casa é o nosso esqueleto – é a organização óssea que nos diz onde se localizam cada uma destas divisões. E um lar? Um lar é, segundo o dicionário, o lugar onde mora uma família. É o que preenche a casa e lhe dá sentido. Uma família como representação do cuidado, amor e partilha que devemos ter dentro de nós.
Porém, nem sempre reconhecemos ou sentimos a casa que somos como um lar. As divisões encontram-se desarrumadas e, no meio da confusão, preferimos fechar as portas e não enfrentar o caos. E aos poucos vamo-nos isolando sem deixar os outros entrar e, até mesmo, criando neles algum medo em entrar.
A saúde mental, segundo a Organização Mundial de Saúde, é um direito humano básico que representa o estado de bem-estar mental que permite às pessoas lidar com o stress do dia-a-dia, reconhecer as suas capacidades, aprender e trabalhar bem e contribuir para a sua comunidade. Embora seja um tópico frequentemente deixado nas margens da História, durante a Guerra Civil Americana já se falava de “higiene mental” e de como poderia ser adquirida através da “educação, cultura social, religião e envolvimento na vida nacional”. No entanto, isto não implicou uma aceitação imediata da doença mental. Ainda há cem anos acreditava-se que os desvios mentais eram genéticos e não tinham uma grande esperança de cura. Os preconceitos e falsas assunções ligadas a este estado humano condicionaram, durante muito tempo, a ajuda de quem precisou de acompanhamento. A dificuldade em expressar o mal-estar mental, aliado ao medo da discriminação, provou ser a mais potente combinação de isolamento humano.
Atendendo que parte do mundo não se encontra em situação de guerra ou pobreza generalizada, a falta de sofrimento físico deu espaço ao sofrimento mental, que até então se encontrava camuflado. O espectro da pressão social é vasto e tem vindo a colecionar cada vez mais vítimas. Por se ter tornado um assunto mais ubíquo, hoje é um tópico mais aberto e socialmente aceite. Muitos são os que recorrem à ajuda médica-psiquiátrica e de psicólogos. O principal catalisador da doença mental, nos últimos tempos, foi o isolamento devido ao COVID-19 ao gerar novos casos e ao agravar os já existentes.
A médica psiquiatra, Ana Margarida Mota, numa entrevista dada ao jornal Público numa parceria com a Lusíadas Saúde, afirma que a presença de jovens e crianças no seu consultório aumentou exponencialmente durante a pandemia. Relatavam sentimentos de “tristeza constante, falta de motivação, preocupação excessiva, crises de pânico e perturbações no sono, como insónia, sono superficial e fragmentado”.
Não há como negar que a saúde mental cada vez é mais tida em conta, mas ainda continuamos a ver algumas resistências ao tema por várias razões. Em primeiro lugar, a doença mental, ao contrário das doenças físicas, não é facilmente visível e, por isso, é facilmente desvalorizada. Em segundo lugar, muitos dos sintomas destas doenças mentais são vistos como fraquezas de caráter e de disciplina. A falta de motivação é porque não se dá importância suficiente ao que se faz. As crises de pânico acontecem por não se saber lidar com a vida real e se viver constantemente numa fantasia onde tudo é um mar de rosas. Tem-se insónias porque não se trabalhou o suficiente, caso contrário, estar-se-ia com sono.
Este tipo de discurso é muito praticado pelas camadas mais velhas muito pelo facto de terem sido ensinadas a conter, a engolir as emoções que fugiam ao convencional para não levantar ondas.
Atualmente, ainda que se considere em muitos contextos um assunto tabu, felizmente, a saúde mental tem vindo a ganhar espaço nas redes sociais e nos meios de comunicação.
O trabalho de desmistificar é extremamente necessário e a educação é a chave para permitir a todos e a cada um expressar-se e aprender a arrumar a sua casa para melhor comunicar as suas necessidades e entender os seus limites. É, desta forma, que construímos lares em nós.

Há uma sombra que paira sobre o meu ser
a mesma que me tira a vontade de viver.
É como um dia de sol, em que começa a chover
e assim de repente a casa fica escura.
Deixa de fazer sentido lá viver.
A sombra chega e vai roubando
todos os resquícios de luz que havia na casa.
Rouba a vida, rouba a calma,
rouba a paz e rouba a alma.
Vai-se a ver e a casa está vazia,
perdeu o sentido; ficou fria.
Quem está de fora tem medo de entrar
porque apesar de ser casa não parece um lar.
− a sombra destruiu o meu lar
Alice Cardoso, em Pandesia
https://publichealth.jhu.edu/departments/mental-health/about/origins-of-mental-health
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