Procura-se laboratório de novas visões

Domenico Marrone, padre, doutor em Teologia.

Domenico Marrone, padre, doutor em Teologia, diretor do Istituto Superiore di Scienze Religiose S. Nicola, il Pellegrino, da Facoltà Teologica Pugliese, em Bari, Itália.
Transcrevemos com os devidos agradecimentos alguns excertos do artigo de sua autoria, publicado na revista online Settimana News (http://www.settimananews.it/), a 16 de novembro de 2021, conforme tradução de Rui Jorge Martins, no portal do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura (https://www.snpcultura.org/).

Domenico Marrone

Afirmava Antoine de Saint-Exupéry: “Se queres construir uma barca, não juntes homens para cortar madeira, dividir as tarefas e distribuir ordens, mas ensina-lhes a nostalgia pelo mar vasto e infinito”.

Mudar quer dizer olhar em frente, avançar rumo ao futuro. O que nos impele a fazê-lo é sempre um objetivo em devir, algo que queremos obter, alcançar, algo no amanhã que queremos conseguir. Em suma, uma visão do que queremos alcançar.

Em síntese, precisamos de ver o futuro antes que se realize, devemos imaginá-lo para depois o poder construir. A visão, ainda antes que projeto, é confiança, certeza numa perspetiva racionalmente impossível. A visão é uma sentinela, um alerta, mas também um caminho para uma realidade muitas vezes considerada improvável. Precisamos, como comunidade cristã, de crescer na visão.

No Primeiro Livro de Samuel narra-se que naquele tempo, que corresponde a 1000 a.C., “a palavra do Senhor era rara, as visões não eram frequentes” (3, 1). E o Livro dos Provérbios diz-nos depois que “sem a visão o povo vive dissoluto” (Provérbios 29, 18).

Qual é o sonho que queremos realizar? Qual é a transformação real que queremos gerar no mundo como comunidade? A pertença à comunidade não é gerada por algo que se faz, mas pela partilha de uma visão, de um sonho. É este o ponto de partida generativo de uma comunidade.
O facto é que talvez no substantivo “sonho” entrevemos os contornos irreais da ilusão e da ausência de concreto. Mas sabemos bem que não é assim. O sonho é desenho, expetativa, impulso criativo… É saber que algo de novo deverá suceder.

A visão representa uma imagem fascinante e atraente que se abre ao futuro, um sonho. Ela exprime o modo (o como) em que queremos ser Igreja.

Sem visão, o povo de Deus perde toda a perspetiva, toda a tensão projetiva e por isso debilita-se no pântano das escolhas de pequena cabotagem e nas práticas de piedade.

Sem visão, o povo de Deus está pronto a tornar-se servo de quem promete rápidas satisfações pseudo-religiosas (e quantas não foram disponibilizadas durante esta pandemia!), isto é, a quem garante que a deglutição de práticas de piedade pode substituir uma real e satisfatória vida de fé.

Confio a conclusão às palavras de um cardeal teólogo e poeta, José Tolentino Mendonça, escritas no seu Elogio da sede:

Há nas nossas culturas, e do mesmo modo nas nossas Igrejas, um défice de desejo. Quando se nota, no momento atual, o emergir e em escala cada vez maior, de sujeitos sem desejo, isso deve conduzir-nos a uma autocrítica. Nós, batizados, formamos uma comunidade de pessoas que desejam? Os cristãos possuem sonhos? A Igreja é um laboratório onde, como no oráculo provocatório de Joel (3, 1), os nossos filhos e filhas profetizam, os nossos idosos têm sonhos e os nossos jovens constroem novas visões, não só religiosas, mas também novas compreensões culturais, económicas, científicas e sociais?.

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