Karol Woytila foi eleito papa quando eu ainda não sabia andar. Cresci apenas com um Santo Padre: João Paulo II. No final do seu pontificado era fácil, para as pessoas da minha geração, sentir a seu respeito o mesmo que sentimos para com os nossos avós – quando vemos que estão cada vez mais frágeis e sabemos que a morte é certa, ainda assim, o dies natalis causa sempre desconcerto. Estamos tão habituados a tê-los na nossa vida que é estranho de repente não estarem cá. A proximidade com que sentimos a doença e morte de João Paulo II explica-se, em parte, pelo seu temperamento único, que conciliava ternura e força.
Diziam os antigos – em particular Aristóteles – que o homem é o animal que ri. É bem verdade. Não só ri, como sorri; e não há dois risos iguais como não há dois sorrisos iguais. O sorriso e o riso de Karol Woytila eram únicos (como de resto são únicos os de cada um de nós). O Payaso Japo – Diego Poole, madrileno, palhaço na juventude e atual professor universitário de Direito – proporcionou ao Papa João Paulo II sete momentos hilariantes (entre 1987 e 1993). As imagens que hoje podemos ver com toda a facilidade, graças à invenção do YouTube, permitem-nos rever e reviver a candura do rir e do sorrir que lhe conhecemos; mostram uma alegria autêntica, uma espontaneidade tocante.
De modo igualmente espontâneo e terno, com um doce sorriso, João Paulo II referia-se muitas vezes a Portugal e à Polónia como países irmãos. Lembro-me de ser menina e perguntar aos mais velhos o motivo da afirmação, tendo ouvido como resposta o facto de se tratarem de dois países católicos e de o Papa ser muito devoto da Virgem de Fátima. A resposta não me parecia completa, mas não procurei outras explicações.
Na semana passada estive pela primeira vez na Polónia. Como em boa parte das deslocações que faço, fui em trabalho. Ia para um congresso e não estava à espera de reencontrar na memória a afirmação Portugal e Polónia são como dois irmãos. Na verdade, tinha outro nome na mente: o meu destino era Torun, cidade natal de Nicolau Copérnico. Lembrei-me, é certo, antes de embarcar, de que ia entrar no país de Faustina Kowalska e do Papa vindo do Leste, mas nada mais. Sucede que, pouco após a minha chegada, me apercebi de que estava numa província que tem São João Paulo II como padroeiro: a Cujávia-Pomerânia.
O congresso era, como habitualmente acontece, uma saudável babel de línguas em que, não obstante, todos acabavam por se entender. A apoiar o evento, estavam numerosos jovens polacos, inexcedíveis na simpatia, na solicitude e no bom acolhimento. Pensei: seria a esta hospitalidade que João Paulo II se referia quando dizia que somos países irmãos?

Partilhando uma das refeições, um dos congressistas, polaco e padre, trocava comigo impressões a respeito da vivência do cristianismo na Polónia. Ouvindo-o, pensava – irmãos, talvez… mas não siameses, porque separados pelo espaço; nem sequer gémeos, porque somos bastante diferentes. Durante o regime comunista, afirmava, a Igreja acabara por assumir também um papel político, pelo que a ela se acolheram dissidentes do regime – ora, após o colapso destes, muitos membros revelaram-se, nas opiniões e nas causas, menos católicos; como, por exemplo, a respeito da (i)legitimidade do aborto. Ouvia-o e sublinhava na minha mente mais diferenças do que semelhanças.
A conversa mudou depois para a liturgia. Referi países em que tinha estado e em que tinha sentido dificuldades em acompanhar a missa. Também lhe tinha acontecido; sobretudo com missas em inglês, que, a ele, lhe parece sobretudo uma língua própria para canções. Por outro lado, partilhou sentir algo de muito próximo quando entrava numa igreja portuguesa e numa igreja polaca – era o mesmo sentimento, era a mesma vida o que encontrava no interior das igrejas destas terras tão longínquas, de tal modo que se sentia em casa.

Por esta data, ainda não tinha entrado numa igreja em Torun. Quando o fiz, percebi o que tinha ouvido – havia algo na decoração, no ambiente que, não obstante as diferenças, apresentava alguma semelhança. Não consegui, porém, dar-lhe nome. No dia seguinte, Domingo, tentei participar na missa. Falhei a hora. Assim, e porque tinha de ir para o aeroporto, assisti a parte da primeira e a parte da segunda. Os cânticos, o ritmo e o tom das vozes fazem-nos sentir que estamos próximos, mesmo sem conhecermos a língua.
No intervalo entre ambas as celebrações, aproveitei para visitar a igreja, para orar e olhar para o que acontecia ao meu redor. Havia uma imagem de Santo António; não faltava, claro está, Jesus Misericordioso. Ladeando o sacrário, dois anjos pintados em estilo bizantino; por cima, um enorme São José segurava o Menino. Numa azáfama, pessoas partiam e outras chegavam, de todas as idades, sendo muitas delas casais jovens com crianças pequenas. Preparava-se o coro das meninas, de cabelo apanhado bem alto e vestidas com uma túnica cor-de-laranja. Distribuíam-se cadeiras suplementares.
Se a atividade era grande, o modo como se vivia no interior daquele templo era sereno e discreto.
À direita, numa das capelas laterais, uma imagem de São João Paulo II, em tamanho real, lembrava-me o desafio de descobrir a razão pela qual afirmava que Portugal e Polónia são irmãos. Penso ter entendido qualquer coisa, embora esteja longe de traduzir isso mesmo em palavras. Estou certa, porém, de que essa qualquer coisa que captei é muito pouco; há bem mais para compreender.
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