Existem fundamentalmente dois modos, que são exclusivos, de exercício do poder não apenas como modo de domínio de um ser humano sobre outro, mas como ação que concretiza a capacidade que todo o ser humano possui de laborar na construção da cidade. Tais modos são ou a ação segundo o bem-comum ou a ação segundo o bem de alguns ou de apenas um só.
No caso do bem-comum, o poder e a ação que do poder deriva laboram no sentido do bem de todos, sem exceção. É este o modelo teórico que suporta a noção cristã de cidade de Deus, sendo o Reino de Deus a sua versão escatológica, já não deste mundo.
Ora, tudo o que não corresponde ao bem-comum é necessariamente ou uma ação de poder que reserva o bem para alguns ou para um só, ignorando o bem de todos os demais. Mas não se fica por aqui esta segunda forma: o bem dos poucos ou do um é conseguido às custas do bem que é negado – mais propriamente roubado, pois é feito com o uso de violência – aos demais, aos muitos. Trata-se, sempre, de um ato de predação de seres humanos sobre outros seres humanos, em que o bem possível – e comum – devido a determinados seres humanos é-lhes ativamente negado, transitando para quem assim o nega. É, assim, também, um ato de parasitismo.
Os tiranos e oligarcas, quaisquer, são sempre parasitas humanos de outros seres humanos. Tristemente, se se olhar para o que se conhece da história humana, esta última, em termos das grandes massas humanas, pouco mais tem sido do que um exercício de parasitismo do humano sobre o humano, por vezes muito bem disfarçado, disfarce que faz parte dos mecanismos de tiranização, subtilizando-os, erradicando, por via da ilusão política qualquer veleidade humana de procura de saída da situação de menorização económica, política e mesmo antropológica.
Pense-se na situação dos hebreus cativos no Egipto antigo, adormecidos em sua condição de servidão/escravidão. Mas pense-se também na condição dos hodiernos seres humanos presos aos mecanismos do crédito, às ilusões do marketing, à falsidade da representação política, que lhes não confere realmente qualquer poder relevante.
As exceções a este panorama encontram-se ao nível de associações de seres humanos que foram capazes de viver, em pequenos grupos, como reais comunidades: por exemplo, todas as famílias em que todos sempre viveram para o bem de todos, levando a ação até ao próprio sacrifício da vida; as instituições que se regeram e regem pelo mesmo princípio de bem-comum; todas as pessoas que, muitas vezes, “contra tudo e contra todos” agiram e agem tendo como fim o bem daqueles com quem convivem. Todos os que, mesmo não sendo cristãos, e mesmo antes de ter havido um Cristo incarnado, cumpriram o princípio antropológico, ético e político correspondente ao “mandamento de Cristo”.
Na ação segundo o bem-comum, não há esquerda ou direita, alto ou baixo: há a vontade de servir a humanidade como um todo, mesmo que essa humanidade que somos capazes de atingir com a nossa ação seja apenas um outro ser humano.

O que a viagem de Magalhães, Elcano e demais que com eles seguiram, no mundo esférico que provaram, foi, do ponto de vista político, precisamente o que acabou de ser dito: um mundo politicamente feito de oligarquias e de tiranias, em tudo semelhante, salvo no pormenor, àquele que tinham deixado na Europa. O périplo completo partiu de uma oligarquia e chegou a essa mesma oligarquia tendo passado por nada mais do que uma total ausência de bem-comum.
O que se encontrou foi uma real globalização, melhor, uma universalização de ausência de bem-comum. Não se pode, assim, acusar o encontro de culturas produzido pelos descobrimentos, mormente pela circunavegação primeira de ter levado a perversão política a sociedades que viviam em idílicas formas “naturais” de existência política.
O que aconteceu em muitas partes foi ter-se substituído as oligarquias e tiranias locais por outras de matriz europeia; por exemplo esclavagismos locais por uma mistura de esclavagismo local com esclavagismo europeu.
As chamadas «ditaduras» de “esquerda” ou de “direita” que hodiernamente se encontram nas terras das rotas das descobertas de novos caminhos e de encontro com outros povos, distantes, e que copiam formas políticas de origem europeia, nada mais são do que atualizações pós-coloniais dos mecanismos de parasitação que sempre existiram em tais terras e conjuntos humanos, agora “modernizados” por mímica relativa à cultura dos antigos colonizadores. De facto, o processo de encontro de culturas originado pelas viagens de exploração europeias, de que a de Magalhães e Elcano é a mais longa e talvez grandiosa, foi uma oportunidade cultural perdida para construir algo de sério em termos de comunidades políticas. Não seria uma Utopia, mas apenas um exercício sério de, efetivamente, levar a palavra e a imitação inteligente da ação de Cristo. Mas não foi.
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