No meio de tantas improváveis e tristes surpresas que o mundo vai deixando cair é indispensável cultivar a esperança. Não de una forma ingénua mas comprometida.
Recordo as palavras do Cardeal Maradiaga na Festa do Espírito Santo: “na caixa de velocidades do Espírito não existe marcha atrás”.
Olhar para o amanhã é sempre um desafio nobre: “Faz escuro, mas eu canto porque a manhã vai chegar” (Thiago de Mello).
Merece uma atenção muito especial o discurso do Papa, no dia 27 de Maio, aos participantes do Congresso promovido por La Civiltà Cattolica sobre o tema “A estética global da imaginação católica”.
Numa altura em que urge pensar o futuro da Evangelização diante dos indicadores de perda sistemática de crentes nas experiências cristãs (não apenas na Igreja Católica, mas também nas Igrejas reformadas) a estética é uma porta aberta que urge alargar.
Paul Claudel em Ouvres en Prose conta a sua conversão à fé e a sua entrada na Igreja por esta porta. Aos 18 anos estava a começar a escrever e pareceu-lhe que a liturgia católica podia ser um tema de inspiração. Decidiu, por isso, ir à missa de Natal na Igreja de Notre Dame assistindo, “sem gosto”, ao decorrer da celebração.
Mais tarde, não tendo nada para fazer, voltei às vésperas. Um coro de crianças, de roupas brancas, e os alunos do seminário Menor de Saint-Nicolas-du Chardonnet, estavam cantando o que mais tarde soube ser o Magnificat. Eu estava de pé no meio da multidão, próximo ao segundo pilar, na entrada do coro, do lado direito da sacristia. E foi então que ocorreu o facto que dominou toda a minha vida. Num só instante, meu coração foi tocado e eu acreditei. Acreditei com tal força de adesão, com tal insurreição de todo o meu ser, com toda e tão poderosa convicção, com uma certeza incapaz de deixar margem para qualquer tipo de dúvida…
No seu discurso aos congressistas, o Papa Francisco recorda os seus tempos de professor de literatura em que as palavras dos escritores o “ajudaram a compreender-me a mim próprio, o mundo, o meu povo, mas também a aprofundar o meu coração humano, a minha vida pessoal de fé e até a minha tarefa pastoral”. Um pouco mais adiante diz:
Um escritor latino-americano dizia que temos dois olhos: um de carne e outro de vidro. Com o de carne, olhamos aquilo que vemos; com o de vidro, olhamos aquilo que sonhamos. Pobres de nós se deixarmos de sonhar, pobres de nós!
O artista é a pessoa que, com seus olhos, olha e ao mesmo tempo sonha, vê mais em profundidade, profetiza, anuncia uma forma diferente de ver e de entender as coisas que estão debaixo dos nossos olhos. De fato, a poesia não fala da realidade a partir de princípios abstratos, mas pondo-se à escuta da própria realidade: o trabalho, o amor, a morte e todas as pequenas grandes coisas que preenchem a vida. E, nesse sentido, ajuda-nos a “entender a voz de Deus também a partir da voz do tempo”.
A arte é um antídoto contra a mentalidade do cálculo e da uniformidade; é um desafio ao nosso imaginário, ao nosso modo de ver e de entender as coisas. E, nesse sentido, o próprio Evangelho é um desafio artístico, com uma carga “revolucionária” que vós sois chamados a expressar graças à vossa genialidade, com uma palavra que protesta, chama, grita. Hoje, a Igreja precisa da vossa genialidade porque precisa protestar, chamar e gritar.
Papa Francisco aos participantes do Congresso “A estética global da imaginação católica”, 27 de maio 2023
E se o Belo fosse uma das grandes portas da evangelização para esta mudança de época? Não estão fechadas as portas do Bom e do Verdadeiro, mas porque demasiado usadas urge dar relevo à porta do Belo. É no fundo isso que o Papa sublinha ao terminar o seu discurso:
Obrigado pelo vosso serviço. Continuai a sonhar, a inquietar-vos, a imaginar palavras e visões que nos ajudem a ler o mistério da vida humana e a orientar as nossas sociedade para a beleza e a fraternidade universal.
Termino com um poema canção de Ricardo Cantalapiedra:
Onde estão os profetas
Que em outros tempos nos deram
As esperanças e forças para andar?
…
Coisa simples é a morte.
Difícil coisa é a vida,
Quando já não tem sentido lutar.
Ensinaram-nos as normas
Para nos podermos comportar
E nunca nos ensinaram a amar…