Nicoletta Masetto | Messaggero di Sant’Antonio
Um romance “ícone”
que marcou uma época.
A narração da condição existencial
comum a muitos jovens.
Como aconteceu com António,
há oitocentos anos.
Para onde vamos?
Não sei, mas temos que ir.
De Nova York a São Francisco, do Texas ao México. Quilómetros e quilómetros percorridos a pé, de comboio, de boleia. Cruzando pradarias, montanhas, desertos. Horas e horas falando de fio a pavio com um companheiro de viagem. Noites passadas a dormir olhando as estrelas ou ouvindo música em locais de vanguarda.

Pela Estrada fora (On the road) é o diário de viagem de Jack Kerouac, que se tornou o símbolo da geração beat, sem intenção do seu autor. Um livro “ícone” atemporal, quase um texto sagrado para o movimento juvenil dos anos ‘50. Libertário, irreverente, desmedido, transgressor.
Kerouac escolhe escrever depois de um infortúnio que lhe destrói a carreira de jogador de futebol. Kerouac não se senta atrás de uma secretária, mas põe-se a caminho. Entre 1947 e 1950, realiza quatro viagens, na companhia de Neal Cassady. Anota as suas impressões em folhas soltas, a partir das quais, em 1951, compõe o romance, escrito de um único fôlego ao longo de 36 metros de um rolo de papel de telex. Rejeitado pelos editores, só será publicado, em 1957. Os protagonistas são Sal Paradise, alter ego de Kerouac e Dean Moriarty, atrás do qual se esconde Cassady.
Para Sal e Dean, a estrada é a fuga do tédio, da rotina diária, do preestabelecido e é procura, contradição, sede de conhecimento. Eles não sabem o que os empurra, mas sabem que devem caminhar, que devem “Viajar! Perder países”, como escreveu Fernando Pessoa, e ele próprio: “Nada atrás de mim, tudo à minha frente, como sempre acontece pela estrada fora”.

Todas as estradas são sempre a mesma estrada
A estrada é muito mais do que asfalto para calcorrear. É o partir, ir com coragem e esperança; é expectativa, emoção e encontro. A estrada obriga a confrontar-se com as próprias ideias, a construir um pensamento próprio, a enfrentar o destino, a experimentar, a compartilhar, a sentir a respiração dos lugares e dos viajantes e, com eles, o próprio alento; a procurar a rota, a escutar a música por dentro e por fora.
Não é uma mera coincidência o facto de tudo ter sido escrito numa única e longa página. O autor sabe bem que a palavra estrada não deveria ter plural: de facto, todas as estradas são, afinal, sempre a mesma estrada.
Procuro Deus. Quero que Deus me mostre o seu rosto.
A procura humana e literária está unida ao adjetivo beat, perdedor, diferente, proscrito, derrotado. Uma escolha de vida, deliberadamente estranha a um mundo não autêntico, marcado pelo êxito e pelo consumismo. O adjetivo beat significa, também, ritmo, o ritmo do jazz de Charlie Parker, da prosa do livro, mas também o modelo ético, que pede para “tocar” a própria vida e a própria arte sem descanso, até ao último suspiro.
O sentido mais profundo, talvez esteja, no entanto, ligado à raiz beatific. Um abraço libertador com a identidade e a humanidade mais profundas, que são o pleno e maduro desapego de tudo, êxtase e verdadeira bem-aventurança. Uma condição que Kerouac procurou toda a vida e nunca encontrou.
Numa entrevista, à pergunta: “Dizem que a geração beat é uma geração em busca de alguma coisa. O que é que você procura?”, ele respondeu: “Deus. Quero que Deus me mostre o seu rosto”.
E o rosto de Deus era o que, no fundo, buscava, também, o nosso António…
Viajar! Perder países!
Viajar! Perder países!
Ser outro constantemente,
Por a alma não ter raízes
De viver de ver somente!
Não pertencer nem a mim!
Ir em frente, ir a seguir
A ausência de ter um fim,
E da ânsia de o conseguir!
Viajar assim é viagem.
Mas faço-o sem ter de meu
Mais que o sonho da passagem.
O resto é só terra e céu.
20-9-1933
Poesias. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995). – 182.
Foto da capa: Cena do filme On the road, de Walter Salless. Drama, FRA, BRA, CAN, 2012
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