Santo Agostinho definiu a Esperança como o primeiro desejo profundo de felicidade, comum a todos os seres humanos. A Páscoa faz elevar esse anseio ao seu mais límpido esplendor, assim explicado pelo irmão Roger, de Taizé:
Em todo o homem encontra-se uma zona de solidão que nenhuma intimidade humana pode preencher. É aí que Deus nos encontra. É aí, nessa zona profunda, que se situa a festa íntima de Cristo Ressuscitado.
Esta intimidade festiva permitiu à irmã Emmanuelle (conhecida por ter sido uma outra Madre Teresa de Calcutá junto dos mais pobres do Cairo), deixar-nos um enternecido testemunho de fé, pouco antes de morrer, em 2008: “Vejo a morte como o movimento da criança que se atira para os braços do seu pai”.
Cada um de nós é uma gota pensante (assim nos definiu Pascal), condição que nos permite verificar que as efémeras experiências de felicidade na terra têm todas o sabor de uma morte anunciada. Sabemos que vai chegar o momento em que já não mandaremos em nada nem possuiremos nada.
Contudo, a festa da Páscoa faz-nos contemplar o abismo do nosso nada aberto ao abismo do Tudo, quando a pequena gota do nosso ser imergir no grande oceano do Amor.
A lucidez poética de Sophia Andresen ajuda-nos a perceber que “aquele que vê o espantoso esplendor do mundo é logicamente levado a ver o espantoso sofrimento do mundo”.
A força subversiva da Esperança pascal só ganhará todo o seu vigor, se nos fizer empenhar na construção de vidas ressuscitadas, diante de tantas manifestações da morte.
A fé cristã estimula a empenhar-nos com mais ardor na cura das feridas do mundo, tantas vezes ameaçado pelo desespero e por um pessimismo crescente.
Tal como fez a Tomé, Cristo vivo pede que o toquemos no corpo chagado das vítimas de todas as violências (cfr Jo 20,21). Precisamos de ter uma clara consciência destas realidades que ensombram o mundo, acreditando, contudo, que Cristo “ressuscita a nossa esperança criativa”, como nos lembrava o Papa na homilia da Vigília Pascal de há dois anos, depois de nos ter feito este convite na Alegria do Evangelho:
Não fujamos da ressurreição de Jesus; nunca nos demos por mortos, suceda o que suceder. Que nada possa mais do que a sua vida, que nos impele para diante!
E.G., 3
As narrativas evangélicas da Ressurreição dão conta de que tinham ficado no sepulcro marcas visíveis do poder da morte. As ligaduras que tinham embrulhado o corpo de Cristo mostravam que Ele abriu a vida humana à respiração do eterno, depois de ter experimentado na sua humanidade a violência do mal na sua máxima crueza.
O Papa testemunhou-nos na referida homilia que “a pedra do sepulcro gritou e pelo seu grito anunciou a todos um novo caminho”, insistindo, na sua audiência geral do passado 26 de Fevereiro, que “Deus, para doar-se a cada um de nós, escolhe muitas vezes caminhos impensáveis, provavelmente os dos nossos limites, das nossas lágrimas, das nossas derrotas”.
Num poema a que deu como título As Fontes, Sophia Andresen faz esta inspirada viagem:
Um dia quebrarei todas as pontes
Que ligam o meu ser, vivo e total
À agitação do mundo do irreal,
E calma subirei até às fontes
(…)
onde mora
A plenitude, o límpido esplendor.
A Páscoa é a viagem até essas fontes, onde poderei “beber a luz e o amanhecer” e onde se há de cumprir “todo o meu ser”.

A força subversiva
da Esperança Pascal
só ganhará
todo o seu vigor,
se nos fizer empenhar
na construção
de vidas ressuscitadas,
diante de tantas
manifestações da morte.
A luz resplandecente da madrugada da Ressurreição tornou a nossa vulnerável humanidade habitada pela plenitude da divindade e é essa inenarrável Boa Notícia que ajudará a vencer aquilo que ainda mantém a nossa esperança no sepulcro.
Sem essa presença luminosa, o anúncio da Páscoa não passará da dessorada proclamação de um sonho adiado, incapaz de irradiar para o mundo uma alegria contagiante.
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