Obrigado, querido pai

Não eram estas as linhas que tinha pensado escrever, se bem que elas também se fundamentam na fé na ressurreição. Duvidei mesmo se as devia escrever, mas acabei por decidir partilhar aquilo que, nestes dias, habita o meu coração, aquilo que tem dado forma às palavras com que se faz a minha oração.

Já tive a ocasião de o dizer em alta voz, quero agora deixá-lo em forma escrita, porque sinto essa necessidade, porque encontro neste espaço um bom lugar para o fazer, porque sei que aqueles que são responsáveis pelo Mensageiro de Santo António e aqueles que me leem compreenderão e me perdoarão este exercício tão pessoal.

Na Semana Santa fui surpreendido com uma notícia inesperada. O nosso bom Deus acolheu o meu pai nos seus braços. Ele já celebrou a Páscoa juntamente com a minha mãe, de quem ele sentia tanta falta. Apesar de ter 85 anos, quase 86, e de estar com uma demência bem avançada, a saúde não dava sinais de grande preocupação.

Já estava num lar, onde foi sempre muito bem cuidado e onde o pudemos visitar muitas vezes. Poucos dias antes tive mesmo a oportunidade de estar com ele e de verificar, com alegria, que continuava a reconhecer-me e a saber o meu nome. Por isso aquele telefonema, no início daquela tarde, me apanhou totalmente desprevenido. O meu pai, depois do almoço, tinha-se sentado para dormir a sua sesta e já não acordou. Demorei algum tempo a processar o que me estava a ser dito. Há sempre palavras que ficam por dizer, há sempre palavras que são ditas a mais. Todas elas me vieram à cabeça. Já não podia pedir-lhe perdão por ter dito algumas, já não seria capaz de o fazer ouvir outras.

O pai do artista lendo o jornal. Louis-Auguste Cézanne, 1866, National Gallery of Art, Washington DC, EUA. Commons Wikimedia.
O pai do artista lendo o jornal. Louis-Auguste Cézanne, 1866, National Gallery of Art, Washington DC, EUA. Commons Wikimedia.

Mas passado aquele primeiro impacto percebi, porque acredito verdadeiramente na ressurreição e na comunhão de todos aqueles que vivem em Deus, que o podia fazer. E no segredo da oração fi-lo.

Muitas outras coisas ficarão também nesse âmbito, mas aqui quero partilhar de viva voz um agradecimento que me brota do fundo do coração, um agradecimento que está intimamente relacionado com a experiência do cuidado.

Nestes dias tenho-me sentido carinhosamente cuidado por tantos familiares e amigos, por isso a minha primeira palavra de gratidão e de ação de graças se dirige a todos aqueles que, das mais diversas maneiras, se fizeram presentes. Deus sabe como a sua presença e oração foram sustento precioso.

Mas quero aqui nomear algumas pessoas em concreto. É justo e necessário que o faça, porque foram fundamentais no cuidado do meu pai. Nessa linha não posso deixar de referir o Clívio e a Guiomar, dois primos que viviam na casa ao lado e que sempre o acompanharam. Obrigado do fundo do coração. Refiro também as Cooperadoras da Família, era num dos seus lares que o meu pai estava. Testemunhei sempre o carinho com que o cuidaram. Não é que isso me surpreenda, pois conheço-as bem, mas quero aqui deixar explícito o meu agradecimento.

Há 14 anos atrás a Cristina (a minha mulher) prometeu à minha mãe que cuidaria do meu pai. E cuidou! De uma maneira inexcedível, muitas vezes mesmo com muito mais atenção do que eu e o meu irmão. Por isso quero aqui dizer bem alto: obrigado querida Cristina, és para mim uma bênção que nunca agradecerei o suficientemente a Deus.

Não quero também deixar de agradecer ao nosso bom Deus tantos e tantos momentos maravilhosos que vivi com o meu pai. Neles pude bem fazer a experiência do que é o Seu Mistério de Amor.

E finalmente uma última palavra que pode parecer fora de ordem, mas que neste texto não está. Nesta palavra quero dizer tudo o que habita o meu coração e com ela afirmo também a minha fé na vida que a Ressurreição inaugura. Dirijo-a ao meu pai que, juntamente com a minha mãe, vive agora em Deus: obrigado querido pai.

Foto da capa: Carvalho frondoso. Foto satori – stock.adobe.com.

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