O poder que nos habita

Ao fim de 6 anos e de quase 70 artigos termina a minha colaboração com esta Revista. Muito agradeço a oportunidade de escrever e de partilhar olhares ‘para além da evidência’. Agradeço o desafio e o feedback de alguns leitores.

Nesta última estação da minha escrita e num tempo que já ‘cheira’ a Natal quero partilhar convosco a ideia do ‘poder que nos habita’ (por dentro).

Todos nós temos momentos de desânimo, de falta de entusiasmo, de cedência à rotina, de cansaço, de dúvida, de medo, de vontade de fugir… Todos nós já sentimos o peso da vida!

Só estou bem onde eu não estou
Só quero ir onde eu não vou

Mas depois fica a questão fugir para onde?, fazer o quê?, o que resolveria?… Embalados pela música, cantamos com o António Variações:

porque eu só estou bem onde eu não estou, porque eu só quero ir onde eu não vou…

A vida passa, os dias correm e nós ou entramos num ritmo frenético ou ficamos à margem da vida… a ver passar a ‘banda’. Rotinas, indiferenças, comodismos, desilusões… demasiadas expetativas.

Este tempo e esta época, sendo tão especial, pode envolver-nos, distrair-nos ou deprimir-nos. Depende de tantos aspetos, grandes e pequenos.

Mas esta época é especial para os cristãos, é o início de um novo ano, é o nascimento da esperança… uma espécie de ‘primavera’ no inverno.

Os cristãos celebram o nascimento de Jesus, um Deus a fazer-se carne, a habitar no meio de nós, a entrar no ritmo da nossa vida… para oferecer ritmos novos e horizontes novos aos nossos dias.

Deus incarna(nos) e habita(nos) para nos recriar

Mas como? O que é que ele nos dá? O que nos pode oferecer hoje? Em cada natal celebramos um Deus que não desiste de nós, nem da humanidade, celebramos um Deus que vem de novo, um Deus que se humaniza, um Deus que nos dá uma força e um poder.

Esse poder está dentro de nós. Um poder que nos faz ultrapassar os medos, que nos (re)lança na vida, que nos entusiasma, que nos devolve a esperança.

No entanto, para que este milagre volte a acontecer precisamos de ‘arriscar’ a nossa parte, precisamos de nos deixarmos alimentar, precisamos sobretudo ‘sentir’ a sua presença dentro de nós, precisamos de deixar que nos habite.

Não há lugar para Ele na hospedaria

Talvez possa correr o risco de continuar a não haver lugar para ele nascer na hospedaria – dois mil anos depois essa hospedaria é a nossa vida e o nosso coração cheio de tantas coisas – tantas vezes supérfluas e inúteis.

Quando acolhemos e, sobretudo, quando reconhecemos essa presença em nós… arriscamos uma vida outra, um outro modo de viver e de celebrar. Dizia Pablo d’Os que

basta querer em alguma coisa com suficiente intensidade para a conseguir. Parece utopia, mas não há nada tão indestrutível como um homem convencido. Nenhum obstáculo é intransponível quando há verdadeira fé.

O natal é o tempo de celebrar essa força dentro de nós, esse entusiasmo (que significa ‘trazer Deus dentro’), essa presença pequena, mas poderosa. Uma espécie de grão de mostarda ou pequena quantidade de fermento…. que tudo pode transformar.

Há uma força dentro de nós… capaz de transformar a nossa vida e o mundo

É um poder que já temos, que já nos habita, que não precisamos de conquistar. É um poder que está apenas à espera de ser ativado, de ser ‘des-coberto’. Trata-se de uma força capaz de transformar o mundo… mas poucos de nós ainda acreditam nisso. Uma força que pode transformar a nossa vida. Uma força que não nos tira nada, mas dá-nos capacidade para viver mais intensamente cada dia.

Muitas vezes parece que a vida de alguns é um permanente inverno ou que há sempre medos de tudo e de todos. Há vidas que estão a ser permanentemente conjugadas com proibições, recusas, hesitações, queixas, reclamações, invejas…

Que neste natal possamos descobrir a força de Deus em nós, possamos celebrar na comunidade a grandeza da eucaristia, possamos purificar o nosso coração para acolher cada vez mais profundamente o dom da vida.

Santo e feliz natal!

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