Parece uma pergunta simples, mas não é. Cada um de nós tem a sua própria representação do que é a pobreza e do que é ser pobre e como tal designado.
Facilmente concordamos que não significa o mesmo ser criança pobre no Iémen, em Moçambique, em Portugal e na Europa. Mas o acordo acaba aqui. Por outro lado, existem ideias preconcebidas relativamente à pobreza e à condição de pobre. Vou concretizar.
Todos ouvimos, com demasiada frequência, frases que culpabilizam os pobres pela sua condição (é preguiçoso, conflituoso, esbanjador, perigoso, criminoso…), ou, com alguma condescendência, também é comum a afirmação de que tem pouca sorte, está a pagar os erros de outros, ou, ainda, a título de justificação, a inevitabilidade de, em todos os tempos e lugares, existirem pessoas pobres.
Estes preconceitos constituem o principal entrave a que as sociedades se mobilizem no sentido de dar atenção às causas estruturais que conduzem à pobreza e, assim, encontrem as vias que levem à sua erradicação.
Mesmo que nos situemos apenas na nossa cidade ou no nosso país, temos diferentes representações do que é ser pobre. Não admira que assim seja, porque a pobreza é uma realidade multifacetada, tem muitos rostos. Precisamos, por isso, de ter um conceito de pobreza suficientemente abrangente que permita compreender as suas diferentes formas concretas.
As ciências sociais (economia, sociologia, psicologia…) têm procurado delimitar conceitos que permitam configurar uma visão de conjunto, tanto quanto possível próxima da realidade, que, ao mesmo tempo, permita delinear estratégias e medidas de política que visem reduzir e erradicar a pobreza.
Em nome do direito à dignidade da pessoa humana, a pobreza é cada vez mais considerada uma violação de direitos humanos, o que responsabiliza os Estados pela sua erradicação. Contudo, estamos longe de ver este direito devidamente respeitado. Mesmo naqueles países cujo nível de desenvolvimento económico e progresso científico e tenológico o poderia viabilizar.
Voltemos à pergunta: afinal o que é ser pobre?
Mais concretamente: o que é ser pobre em Portugal?
Se atendermos apenas a um critério monetário, representado, habitualmente, por um indicador de rendimento per capita, estimamos que cerca de um em cada cinco portugueses são pobres, mesmo depois de terem sido tidas em conta as medidas de proteção social vigentes.
Neste conjunto de cerca de dois milhões de pessoas, encontram-se com maior frequência relativa pessoas idosas e crianças e, comparativamente, mais mulheres do que homens. Entre a população ativa em situação de pobreza material, avultam os desempregados de longa duração ou com emprego precário. Acresce que cerca de 11% do conjunto dos pobres segundo este critério estão empregados e auferem salários.
O rendimento disponível dos indivíduos e das famílias não é o único critério para definir a condição de ser pobre. Há que ter em conta as condições de vida, designadamente a satisfação de necessidades básicas e de conforto segundo o estilo de vida corrente na sociedade. Por exemplo, viver em zonas de habitat degradado, nas periferias das cidades ou em zonas remotas do interior do país, só por si, configura certo tipo de pobreza, com o que esta comporta de exclusão social.
Ser pobre define-se também por défice de informação, conhecimento e cultura que impede a participação na vida coletiva de cidadania e concorre para a exclusão social. É um tipo de pobreza que tende a reproduzir-se através das gerações: há pobres que sempre o foram! O acesso universal a serviços de educação e de saúde constitui um veículo essencial para romper o círculo vicioso da pobreza geracional.
Com o envelhecimento demográfico, que se vem acentuando no nosso País, a pobreza vem assumindo novas manifestações, nomeadamente no que se refere à solidão, à privação de afeto e de convivência e à ausência absoluta de cuidados básicos adequados, mesmo nos casos de pessoas que, eventualmente, possuam um rendimento superior ao limiar de pobreza. É um problema com particular gravidade nos centros urbanos, mas afeta também severamente a população residente em zonas despovoadas.
Por último, queria chamar a atenção para os chamados novos pobres, uma categoria gerada pela crise económica e as medidas então adoptadas que levaram ao encerramento de empresas, ao desemprego, à precariedade de vínculos laborais e/ou à perda de habitação. Estes novos pobres caracterizam-se, entre outros atributos, por um reforço da sua invisibilidade. Numa primeira fase, não se dá por eles, sobretudo quando intervém a solidariedade intrafamiliar para atenuar as dificuldades detectadas, mas, o decurso do tempo de permanência nesta situação gera propensão para a depressão individual e risco severo de marginalidade social.
Por este enunciado, necessariamente incompleto, resulta clara a conclusão de que ser pobre é uma realidade multifacetada: com distintas manifestações, diferentes causas geradoras e problemáticas com contornos diversos.
Há, porém, um denominador comum, o pobre, homem ou mulher, criança, adulto ou idoso, nacional ou estrangeiro, virtuoso ou não, é uma pessoa com irrevogável dignidade humana, que se encontra privada de direitos fundamentais e por isso requer a escuta, a resposta e o suporte dos seus concidadãos mais próximos bem como da sociedade civil e do estado.
Acresce que para os discípulos de Cristo, as comunidades eclesiais e a Igreja no seu todo, o pobre é um irmão, uma irmã, um membro do Corpo de Cristo, que deve merecer acolhimento especial e ajuda.
Concluo com palavras do papa Francisco na Mensagem para o Dia mundial dos pobres:
(…) Longe dos discípulos de Cristo sentimentos de desprezo e de pietismo para com os pobres; antes, são chamados a honrá-los, a dar-lhes a precedência, convictos de que eles são uma presença real de Jesus no meio de nós. “Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes”. (Mt 25, 40)
Saibamos guardar estas palavras no nosso coração e, sobretudo, tomá-las como guia de conversão da nossa mentalidade, atitudes e comportamentos individuais, bem como motivação e orientação da nossa ação cívica e política, por uma sociedade mais justa e inclusiva.
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