Na Igreja Ortodoxa, metropolita é o nome dado ao bispo de uma determinada cidade. Ioannis Zizioulas era o Metropolita de Pérgamo que partiu para o Pai, a 2 de fevereiro deste ano. Zizioulas foi um dos intervenientes principais na apresentação em 2015 da Carta Encíclica Laudato Si’ e isso deve-se aos avanços que ele deu como teólogo e filósofo na compreensão da relação entre o ser humano e a natureza.
Poucos conhecem Ioannis ou John Zizioulas, mas confesso que muito daquilo que desenvolvi em eco-filosofia deve-se a ele. Um pensamento transformativo e revolucionário, profundamente sinodal, que pode impulsionar-nos a um novo equilíbrio entre a vida física e a virtual.
A sua obra mais conhecida (e não traduzida) dedica-se ao “Ser como Comunhão” (Being as Communion), um tema atual do caminho sinodal que se liga muito ao facto de na experiência cristã sermos imagem de Deus.
Como diz Zizioulas
O ser de Deus é um ser relacional: sem o conceito de comunhão seria impossível falar do ser de Deus. (…) [Por isso,] é a comunhão que faz os seres “ser”: nada existe sem essa, nem sequer Deus.
No mundo de hoje, a comunhão não acontece apenas através dos relacionamentos inter-pessoais físicos, mas também, pelos meios digitais.
Daniella Zsupan-Jerome, que escreveu Connected toward communion, diz que “comunicar, para nos relacionarmos com os outros e trazê-los à comunidade e à comunhão, é uma qualidade sublinhada de um modo novo pelo contexto digital”. Porém, “a comunicação mediada pela Internet, paradoxalmente, conecta e isola”… “Estas dinâmicas de relacionalidade humana no contexto digital levantam novas questões sobre aquilo que significa comunicar na direção da comunidade e da comunhão”.
Sermos comunhão quando uma boa parte de nós vive em ambientes digitais tornou-se um desafio para a formação e o crescimento espiritual, assim como para a relação que estabelecemos com a verdade.
Zizioulas liga a ideia de verdade à vida, ou seja, a algo prático. Uma das práticas mais desafiadas durante a pandemia, que nos coloca em contacto direto com a Verdade, é a Eucaristia. Na Eucaristia, a comunhão com Deus deveria levar-nos a experimentar a própria vida de Deus, uma vida trinitária, atualizada em cada Eucaristia pelo amor recíproco entre os membros da comunidade.
Para Zizioulas, através da experiência eucarística, “conhecimento e comunhão são idênticos”. Será isso que se experimenta quando a Eucaristia é mediada por um ecrã?
No único livro de Zizioulas que encontrei traduzido em português, do Brasil, A Criação como Eucaristia, a ligação que o sacramento tem com a dimensão eco-espiritual estende o seu raio de ação da nossa espécie a todo o mundo criado. E nesta ligação, Zizioulas oferece uma nova perspectiva sobre o nosso lugar na natureza.
Zizioulas julga que a nova cultura só supera a crise ecológica se der algum protagonismo à dimensão litúrgica do modo de sermos humanos. E a noção chave que Zizioulas propõe é a do “homem, sacerdote da criação”. Ele diz que
a superioridade dos seres humanos em relação às demais criaturas não consiste na razão que eles possuem, mas sim na capacidade de colocar-se em relação, de modo a criar situações de comunhão a partir das quais os seres individuais são libertados do voltar-se sobre si mesmos e, portanto, dos seus limites, e passam a ser referidos a algo mais geral que eles mesmos, a um “outro” [Deus].
Um dos temas do caminho sinodal é a antiga questão do sacerdócio das mulheres, mas do ponto de vista de ampliar o nosso lugar na natureza por via da dimensão litúrgica, abre-se a todo o ser humano a vocação de ser sacerdote da criação. E qualquer pessoa é chamada a exercer este sacerdócio, independentemente da sua condição.
Ser sacerdote da criação implica uma maior aproximação ao mundo natural, libertando-nos dos grilhões de algum excesso de vida digital, para encontrarmos formas criativas de “abrir seres particulares a uma relação transcendental com o “outro”, uma ideia que corresponde mais ou menos àquela de amor no seu sentido mais radical”.
Um ágape onde o convite a sermos mais eco-litúrgicos se torna caminho para uma nova cultura que supera, criativamente, a crise ecológica que ainda vivemos através de uma profunda transformação interior, a partir de uma íntima e nova reciprocidade entre o ser humano e a natureza.