O melhor amigo do homem

Como se sabe, o relato do Livro do Génesis sobre a criação do mundo e do ser humano, bem como da sua expulsão do Paraíso, é mítico. Adão e Eva não são pessoas, mas símbolos.

A explicação aprofundada do Mito das Origens pode ser lida no excelente estudo do Prof. Doutor Armindo Vaz, intitulado O Último Sentido da Vida Projetado nas Origens (Edições Carmelo). Nele se faz uma explicação séria do carácter mitológico do relato bíblico e do seu alcance universal, transcendendo tempos e lugares.
Irei limitar-me a um detalhe do mito. Quem o escreveu, sabia bem como compor um drama. Deus ofereceu uma companheira a Adão, para que este não se sentisse só. Formaram, então, a primeira família.

Se Adão e Eva tivessem um cão

Nem todas as pessoas concordarão, é certo – defendo, porém, pela minha parte, que um cão também acrescenta algo a um lar. Se, no mito, Deus tivesse oferecido um cão ao casal originário, o desfecho teria sido certamente outro. Uma cobra a falar? Seria expulsa do jardim num ápice. Já vi cães a armar banzé por muito menos. Aliás, um bom cão de caça teria mesmo atacado o réptil.

A distraída Eva teria percebido, então, estar diante de uma cilada e Adão, por seu turno, teria tido juízo e pensado pela própria cabeça. Em suma: se quem escreveu tivesse afirmado que, formado o casal originário, Deus lhes tinha dado um cão, não haveria história para contar.

A natureza é, no seu todo, uma magnífica obra do Criador; o cão, como parte sua, tem que se lhe diga. Há para todos os gostos: de raças micro a gigantes, de pelagem curta a comprida e até de pelo hipoalergénico. Quando escolhem o seu humano de referência, não o largam por toda a vida. Quando treinados, chegam a salvar vidas humanas.

Balto e Togo

Na cidade de Nova Iorque, no Central Park, existe um monumento a Balto, o líder de uma matilha de huskies. Em 1925, a cidade de Nome, no Alasca, estava inacessível devido aos fortes nevões. Sofrendo de uma epidemia de difteria, não conseguia ter acesso aos medicamentos porque era impossível passar. A única solução era usar cães habituados à neve e ter esperança de que a ajuda chegasse a tempo. Mais de cem cães foram usados nesta corrida contra a morte.

O norueguês Gunnar Kaasen teve Balto como seu braço direito. Sob as ordens de Kaasen, Balto liderou a matilha, que correu durante seis dias. Antes, outro norueguês, Leonard Seppala, liderara outra matilha com o auxílio de outro husky, Togo. Ambas as equipas, de condutor e matilha, foram responsáveis pelo salvamento da cidade. Ainda que Togo tenha percorrido uma distância maior, o público preferiu a história de Balto ao qual, dez meses após o salvamento, foi erigida uma estátua. Nela se pode ler uma inscrição elogiando a resistência, a fidelidade e a inteligência com que superou os obstáculos (note-se que se estava em fevereiro, com poucas horas diárias de luz solar e o condutor quase nada via).

O cão misterioso de São João Bosco

Um santo que contou com a proteção de um cão misterioso foi São João Bosco, como o próprio nos conta nas Memórias do Oratório.

Certa noite, quando caminhava na rua, foi surpreendido por um cão grande. Após um momento de desconfiança, D. Bosco compreendeu que o bicho estava numa disposição afável. O cão voltou a aparecer depois, vindo não se sabe de onde, num momento de perigo. D. Bosco conta que, numa noite de novembro de 1854, foi seguido e encurralado por dois homens. Taparam-lhe a boca, para nãogritar, e cobriram-lhe a cabeça. Não houve tempo para mais: Grigio (de gris, cinzento, em italiano) lançou-se em fúria sobre os malfeitores, os quais tiveram de largar o santo para se defenderem. Pediram-lhe que parasse o cão, coisa que D. Bosco fez, na condição de não incomodarem pessoa alguma. A seguir, escoltou o santo até estar em segurança e seguiu o seu caminho. São João Bosco afirma que sempre que caminhava sem companhia, Grigio aparecia misteriosamente, tendo estado presente noutros momentos cruciais de perigo para o defender.

O cão de D. Bosco era acarinhado no Oratório, quando por lá aparecia. A entrega de que estes animais são capazes quando se ligam a alguém atesta que a antiga expressão o cão é o melhor amigo do homem fez e faz sentido.

E, por isso, insisto: se Adão e Eva tivessem um cão, não haveria história para contar. Porque não tiveram, podemos nós contar a história deles.

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