A década de 90 do século passado conheceu a passagem, entre o Porto, Paredes e Singeverga, de um nome maior – ainda que fugaz – de experiência espiritual, um “rapaz raro” na expressão de uma reportagem publicada mais tarde no jornal Público. A Poesia de Daniel Faria (1971-1999) permanece como um aguilhão, um espaço aberto e ainda estranho para as comunidades eclesiais para quem a fé se traduz numa linguagem fechada. Depois da publicação da sua Poesia completa, a Assírio & Alvim possibilita agora o reencontro com O Livro do Joaquim, esgotado há demasiado tempo.
Elaborado entre 1993 e 1996, O Livro do Joaquim constitui um texto fragmentário, em estilo diarístico, que nos recorda os livros sapienciais bíblicos com as suas formulações densas e diretas. Acompanhada de um estudo de Francisco Saraiva Fino, que ajuda a compreender o texto, e enriquecida com o fac-simile do manuscrito, esta edição de O Livro do Joaquim surge como uma abertura ao percurso interior do poeta, centrada na experiência da amizade como um caminho difícil e fecundo de vida espiritual. A amizade é aqui colocada a lume num testemunho pessoal e vital: daí a força de repercussão que este texto encontra no leitor atento. Um livro que convida à oração, que deixa na boca do leitor, em cada uma das suas sentenças, um precioso fruto a ser saboreado e digerido.
Creio que o mais egoísta dos homens é aquele que recusa dar aos outros a sua fragilidade e as suas limitações. Quem recusa aos outros a sua pequenez, comete um dos mais infelizes gestos de prepotência. E porque aí se rejeita, aos outros não poderá dar senão o sofrimento da perda. Querendo-se sem falha, será o mais incompleto dos seres.
O Livro do Joaquim
Autor: Daniel Faria
Edição: Assírio & Alvim
Páginas. 104