No passado mês de maio, assisti a uma conferência de D. Luis Antonio Tagle, arcebispo de Manila e presidente da Caritas Internationalis, que presidiu às cerimónias do 13 de maio em Fátima.
O encontro teve lugar na igreja paroquial de São Tomás de Aquino, em Lisboa e foi organizado principalmente a pensar na comunidade filipina na região que, sorridente e atenta, recebeu com visível emoção o cardeal.

De figura miúda e gesto doce, D. Luis Antonio Tagle falou na igreja, de pé, durante uma hora, sem papel e sem perder o fio à meada. Simpático, bem-humorado, contou várias histórias, comparando aspetos da(s) cultura(s) da Ásia com outros do mundo ocidental.
Parecia apenas uma conversa ligeira, mas aos poucos o cardeal de Manila construiu uma proposta de estratégia de evangelização a partir da experiência na Ásia de que sem dúvida nos podemos apropriar.
Na Ásia, o cristianismo é uma religião minoritária, sendo até vivida secretamente em alguns países, numa situação de controlo e perseguição que não deixa de lembrar o sofrimento das comunidades e dos padres de Silêncio, o romance de Shusaku Endo (1966) que inspirou o recente filme homónimo de Martin Scorsese (2016). Testemunhos atuais mostram que uma cruz, um rosário ou mesmo esse “livro perigoso” que é a Bíblia podem ser confiscados num “simples” controlo de segurança de aeroporto.
São exceção as Filipinas, o arquipélago aonde chegou a armada de Elcano e Magalhães (que aí viria a morrer), em abril de 1521, e que se prepara para celebrar 500 anos de cristianismo. Não é surpreendente já que se trata do mais católico país da Ásia, mas não deixa de ser notável que num momento de revisitação de conceitos antigos e de um ponto de vista histórico habitualmente situado do lado do “descobridor”, do “conquistador”, as Filipinas assumam, como festa, os 500 anos de evangelização, que serão comemorados evocando a primeira missa, na Páscoa de 1521.
Retomo o discurso de D. Luis Antonio Tagle que falou sobre ser cristão na Ásia de hoje. A sua proposta para a evangelização nestes contextos ostensivamente adversos ao cristianismo e onde não há liberdade, é a proposta do diálogo (ecoa nesta palavra, o “encontro” de que fala o Papa Francisco). Todavia, o primeiro diálogo não é o dos discursos, mas sim o da vida, da minha vida em diálogo com a do outro. O segundo aspeto ou momento, é o diálogo entre as culturas, a minha e a tua. Finalmente, o diálogo com os pobres. Só depois, então, falaremos de Jesus.
Destes ensinamentos nascidos da experiência, retenho o último passo: o diálogo com os pobres; ver e ouvir os pobres!
Repetimos amiúde uma frase de O Principezinho, de Saint-Exupéry: “o essencial é invisível para os olhos”. Não é. Ou melhor, nem sempre o é. A pobreza, a fragilidade, a desproteção e o abandono a que tantos indivíduos e comunidades estão votadas são bem visíveis. E é fundamental que vejamos e reconheçamos esta realidade, não apenas para fazer quadros estatísticos ou nos compadecermos “no geral”, mas sobretudo para definir prioridades, olhando nos olhos os seres humanos mais pobres, mais vulneráveis, a necessitar do nosso gesto decidido.
No final da missa em São Tomás de Aquino, o capelão dos católicos filipinos em Portugal, padre Jovito Osalvo, dirigiu-se ao arcebispo de Manila, D. Luis Antonio Tagle:
Senhor bispo, queremos dizer-lhe que os filipinos em Portugal estão bem. Está tudo bem, não se preocupe connosco.
Simples e extraordinárias palavras… A comunidade filipina em Portugal, ao invés de trazer para o encontro as suas preocupações (certamente as terá), retira-se de cena e, generosamente, oferece ao seu bispo o tempo e a tranquilidade para que ele possa continuar a dedicar-se aos pobres.
Sonho para mim e para a minha comunidade este desprendimento para percebermos o essencial, bem visível para os olhos.
Foto da capa: D. Luís António Tagle, arcebispo de Manila, com o bispo de Coimbra, D. Virgílio Antunes, na Caritas de Coimbra. Foto Carlos Neves / Correio de Coimbra.
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