No rescaldo da viagem ao Barém o Papa fala com os jornalistas. Estas conversas com os jornalistas nos voos de regresso são sempre fantásticas. Como sempre confrontou-nos com os grandes temas que afligem a humanidade falando com a clareza, o discernimento e a sabedoria a que já nos habituou, desafiando-nos a todos a procurar respostas na ação.
A conversa foi longa e o Papa fala abertamente com o coração nas mãos:
- do dialogo ecuménico e interreligioso;
- de como nasceu a sua amizade com o imã Ahmed Al-Tayeb e como surgiu o Documento sobre a Fraternidade Humana, que está na base da Fratelli Tutti;
- de como o grande imã e o enviado do Vaticano à COP27 viajaram juntos do Barém para o Egito;
- da situação da mulher, da violência que continua a sofrer e não só nos países fundamentalistas, do seu carisma específico nas lideranças;
- da guerra, da paz, do negócio das armas e de quão importante é sermos artesãos da paz e não da guerra;
- dos abusos na Igreja e na sociedade em geral;
- da alegria dos cristãos no Barém e das deserções na Igreja Alemã;
- dos migrantes e da necessidade de uma política europeia consertada de acolhimento, acompanhamento, promoção e integração, mas sobretudo da urgência de um Plano de Desenvolvimento e não de um Plano de Exploração para África.
Enfim, os grandes temas que afligem a humanidade e nos desafiam a todos a procurar respostas na ação.
A título de aperitivo transcrevo apenas a sua resposta à pergunta da jornalista Fatema Alnajem, da Bahrain News Agency e à pergunta de Imad Atrach.
Eis a pergunta de Fatema Alnajem:
Gostaria de lhe dizer algo antes de lhe fazer minha pergunta. O senhor tem um lugar muito especial no meu coração, não só porque visitou meu país, mas porque quando o senhor foi eleito Papa, era o dia do meu aniversário. Tenho uma pergunta: como o senhor avalia os resultados de sua histórica visita ao Reino do Bahrein e como avalia os esforços que o Bahrein está fazendo para consolidar e promover a convivência, em todos os âmbitos da sociedade, de todas as religiões, sexos e raças?
Eis a resposta:
Foi uma viagem de encontro porque o objetivo era precisamente encontrar-se em diálogo inter-religioso com o Islão e em diálogo ecuménico com Bartolomeu. As ideias do Grão Imã de Al-Azhar estavam precisamente nessa direção de buscar a unidade, a unidade dentro do Islão respeitando as nouances, as diferenças, mas com unidade, unidade com os cristãos e com outras religiões, e para entrar em diálogo inter-religioso ou diálogo ecuménico é necessário ter sua própria identidade. Não se pode partir de uma identidade difusa. Eu sou islâmico, sou cristão, mas tenho esta identidade e, portanto, posso falar com identidade. Quando não se tem uma identidade própria, um pouco no ar, é um pouco difícil o diálogo porque não há um ir e um voltar e é por isso que é importante e estes dois que vieram, tanto o Grão Imã de Al-Azhar como o Patriarca Bartolomeu, têm uma grande identidade. E isso é bom.
Do ponto de vista islâmico, escutei atentamente os três discursos do Grão Imã e fiquei impressionado com a forma como ele insistiu tanto no diálogo intra-islâmico, entre vocês, não para cancelar as diferenças, mas para se entenderem e trabalhar juntos, não ser um contra o outro. Nós cristãos temos uma história um pouco feia de diferenças que nos levou a guerras religiosas: católicos contra os ortodoxos ou contra os luteranos. Agora, graças a Deus depois do Concílio, há uma aproximação e podemos dialogar e trabalhar juntos e isto é importante, um testemunho de fazer o bem aos outros. Depois os especialistas, os teólogos, discutirão coisas teológicas, mas devemos caminhar juntos como crentes, como amigos, como irmãos, fazendo o bem. Eu também fiquei impressionado com as coisas que foram ditas no Conselho de Anciãos, sobre a criação e a preservação da criação, e esta é uma preocupação comum a todos, islâmicos, cristãos, a todos. Agora, no mesmo avião, eles vão do Barém ao Cairo, o Secretário de Estado do Vaticano e o Grão Imã de Al-Azhar, juntos como irmãos. Isto é algo bastante comovente. Isto é uma coisa boa. Também a presença do Patriarca Bartolomeu – ele é uma autoridade no campo ecumênico – foi muito boa. Vimos isso na celebnração ecuménica que fizemos e nas palavras que ele também disse anteriormente. Em resumo: foi uma viagem de encontro.
Para mim, a novidade de conhecer uma cultura aberta a todos. Em seu país, há espaço para todos. Também vi, o rei me disse: aqui todos fazem o que querem, se uma mulher quer trabalhar, que trabalhe. Abertura total, assim ele me disse. Você sabe, “você trabalha”. E também a parte religiosa, a abertura. Fiquei impressionado com a quantidade de cristãos, filipinos, indianos de Kerala que estão aqui e vivem no país e trabalham no país.
Obrigado, Santidade. Rezarei a Alá, o Todo-Poderoso, para abençoar o senhor com boa saúde, felicidade e uma longa vida.
Santo Padre: Sim, reze por mim, não contra (risos).
E a pergunta de Imad Atrach:
Santo Padre, desde a assinatura do Documento sobre a Fraternidade humana, há três anos atrás, até a visita a Bagdad e também recentemente ao Cazaquistão: este caminho está dando frutos tangíveis em sua opinião? Podemos esperar que culmine em um encontro no Vaticano? Então gostaria de agradecer ao senhor por mencionar o Líbano hoje, porque como libanês posso lhe dizer que precisamos realmente de uma viagem urgente da sua parte, também e sobretudo porque agora nem sequer temos um presidente, então peço que vá para abraçar o povo diretamente.
E a resposta do Papa:
Obrigado. Tenho pensado muito nestes dias – e conversamos sobre isso com o Grão Imã – sobre como surgiu a ideia do Documento de Abu Dhabi, aquele Documento que fizemos juntos, o primeiro. Ele tinha vindo ao Vaticano para uma visita de cortesia: após nosso encontro protocolar, estava quase na hora do almoço e ele estava partindo, e enquanto eu o acompanhava para despedir-me dele, perguntei-lhe: “Mas, aonde vai para almoçar?” Não sei o que ele me disse. “Mas venha, vamos almoçar juntos”. Foi algo que veio de dentro. Depois, sentados à mesa, ele, seu secretário, dois conselheiros, eu, meu secretário, meu conselheiro, pegamos o pão, o partimos e o demos um ao outro. Um gesto de amizade, oferecendo o pão. Foi um almoço muito agradável, muito fraternal. E no final, não sei quem teve a ideia, dissemos um para o outro: mas por que não escrevemos sobre este encontro? Assim nasceu o Documento de Abu Dhabi. Os dois secretários começaram a trabalhar, com um rascunho indo e um rascunho voltando, um rascunho indo e um rascunho voltando, e no final aproveitamos do encontro de Abu Dhabi para publicá-lo. Foi uma coisa de Deus, não se pode entender de outra forma, porque nenhum de nós tinha isto em mente. Surgiu durante um almoço amigável, e isso é uma coisa importante. Depois continuei pensando, e o Documento de Abu Dhabi foi a base da “Fratelli tutti”; o que escrevi sobre amizade humana na “Fratelli tutti” é baseado no Documento de Abu Dhabi. Acredito que não se pode pensar em tal caminho sem pensar em uma bênção especial do Senhor neste caminho. Quero dizer isto por justiça, penso que é justo que vocês saibam como o Senhor inspirou este caminho. Eu nem sabia nem mesmo qual era o nome do Grão Imã, depois nos tornamos amigos e fizemos algo como dois amigos, e agora conversamos toda vez que nos encontramos. O Documento é atual, e estamos trabalhando para torná-lo conhecido.
Entrevista completa em: https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2022-11/papa-coletiva-viagem-bahrein-voo.html