No que amo… sou a luz da esperança

Crónica para embalar e abraçar todos os jovens
que vivem ao serviço do amor e da esperança


A chegada do verão, dos turistas e o burburinho alegre daqueles que festejam as férias nos trazem pássaros de sol; mas também, um ambiente inquieto como se a rotina quebrada fosse uma ideia suspensa e sem sentido. Então, vem a angústia que teme a rápida chegada dos tempos de chuva. Eu, no amparo da minha janela e a ouvir Vivaldi, guardava o sentimento de quem via escapar o verão.

Então, decidi arranjar-me para ir às compras. Vestiria uma roupa leve e calçados confortáveis. O Chapéu de palha e uma echarpe de brancura-transparente me acompanhariam. Passaria na florista, na frutaria e no supermercado. Na livraria. No café que fica à beira da igreja de São Tiago. Mas, na verdade, me faltava alguma vontade de sair de casa… talvez um quê de desesperança. Não estava para encontrar ninguém, mesmo se a prosa fosse boa.

Na noite passada custei a dormir, pois havia visto um documentário sobre a guerra na Ucrânia. Como o sono não chegava, li um artigo sobre a perseguição às mulheres mundo afora. Logo a madrugada se complicou e nela passaram muitos fantasmas, habitantes do medo que se instaura na realidade.

Já estava arranjada para ir à rua quando ouvi uma cantoria. Parecia ser mesmo à porta de casa. E era. Voltei à janela e afastei os vasos, de onde pendiam duas elegantes orquídeas brancas, para ver o que acontecia. Debrucei-me e vi um numeroso grupo de jovens, vestidos de vermelho, verde e amarelo. Estavam em roda, cantavam e dançavam. Giravam em festa e sorrisos. Havia ali uma juventude alegre em torno de alguns valores que eu julgava perdidos. Pareciam falar a mesma língua, mas não falavam.

Visivelmente, eram jovens oriundos de países diferentes (transportavam bandeiras diversas). Uns tinham tambores e palmas, outros violas e flautas. Dançavam com o entusiasmo de quem acredita na salvação do mundo. Aquela cena me deixou curiosa e pus-me a alongar o olhar e a audição com o objetivo de descobrir o que se passava. Percebi que alguns eram os líderes e que puxavam as canções, decidiam a direção da roda, inventavam ritmos e palavras de ordem. De repente, presenciei uma jovem ir ao centro da roda e dizer em voz alta e clara:

— Eu sou Francisco e vos anuncio que a “Nossa Vida é um caminho, quando paramos, não vamos para frente”.

Em uníssono, todos repetiram a frase num movimento bonito e vivo. De seguida e sucessivamente, outros jovens passavam a ocupar o centro e a repetir o refrão: “Eu sou Francisco e vos anuncio que…”

— Apenas os que dialogam podem construir pontes e vínculos.
— Deus não pertence a nenhum povo…
— O dinheiro tem de servir e não governar…
— Não tenho ouro nem prata, mas trago comigo Jesus Cristo.
— Deus dá as batalhas mais difíceis aos seus melhores soldados.
— Deus não cansa de perdoar…nós é que cansamos de pedir perdão.
— Cuidemos do nosso coração porque é de lá que sai o que é bom e ruim, o que constrói e destrói.
— O mundo pode mudar.
— Envolver-se na política é uma obrigação para o cristão. Nós cristãos não podemos fazer como Pilatos e lavar as mãos, não podemos.
— Não se pode viver sem os amigos!
— Não existe mãe solteira. Mãe não é um estado civil.
— A paz é um bem que supera qualquer barreira, porque é um bem de toda a humanidade.
— Se consigo ajudar uma só pessoa a viver melhor, isso já justifica o dom da minha vida.
— Não deixe que ninguém tire sua esperança.

A multidão que por ali passava se juntou aos jovens e cada pessoa, carregando as suas diferenças, repetia uma frase inspiradora de paz, amor e felicidade. Ao repetir a frase, era como se repetisse o desejo da coletividade pelo bem do mundo. Uma das pessoas foi ao centro e fez a oração universal, atribuindo as frases ao Papa Francisco, agradecendo em nome de todos a sua fé generosa, recuperadora e libertadora porque abre as portas da igreja para todos. Depois os jovens seguiram coloridos e felizes, sendo acompanhados pela multidão que repetia: “Não deixe que ninguém tire a sua esperança”.

Comovida pelo entusiasmo daquelas pessoas, eu abri a porta de casa e segui com elas a repetir o mesmo. Eram muitas, tantas que não se podiam contar. Espalhadas pelo mundo a inaugurar novos tempos, nos quais o outro nos importa porque cada outro é vivido por um amor-maior, que não julga e liberta. Um amor que abraça a todos porque todos importam.

Curiosa, eu perguntei a um dos jovens:
Quem são vocês? De onde vêm? O que fazem?
Viemos de todas as partes. Somos jovens com fé e esperança que acompanham um Papa que é Francisco, o Papa de todos e para todos. Nós somos jovens que acreditam na vida, na paz e trabalhamos por um mundo melhor. Somos evangelizadores da esperança — respondeu o jovem estendendo-me uma das mãos.
Venha! Nos acompanhe nestas Jornadas da Juventude. Hoje, a igreja estará aberta toda a madrugada. Ouviremos as histórias uns dos outros. As histórias que nos definem como cristãos a viver o amor-maior e que nos trouxeram até Portugal.

Eu segurei a sua mão e segui pensando nas imagens da guerra na Ucrânia, nas mulheres do mundo que sofrem discriminadas e reduzidas na sua condição de ser humano, nas crianças que sofrem todos tipos de violência, nos que vivem a miséria da fome e falta de dignidade, nas variadas espécies de prisões que nos atormentam, nas lutas e guerras que enfrentamos dentro e fora de nós mesmos… segui a pensar no sofrimento e na dor. Na imagem do Papa de todos e para todos… naquela multidão colorida que ao repetir uma de suas frases, tornava presente o anseio coletivo por um mundo melhor.

Segui com a multidão até que fiquei sozinha a sussurrar: “Não deixe que ninguém tire a sua esperança”.

Jovens na Colina do Encontro, Parque Eduardo VII.
Foto João Matos | JMJ Lisboa 2023.
Jovens na Colina do Encontro, Parque Eduardo VII. Foto João Matos | JMJ Lisboa 2023.

Ninguém pode tirar a nossa esperança e cada um de nós deverá conjugar o verbo esperançar, desde as primeiras horas do dia. “Eu esperanço. Tu esperanças. Nós esperançamos. Vós esperançais. Eles esperançam”. Esperançamos em cada gesto de liberdade e generosidade. Na aceitação ativa do outro. No acolhimento que nos abriga no amor do outro. No amor-maior que destinamos à natureza em toda a sua diversidade magnífica. No amor com e para…

Naquele dia, veio-me a certeza de que qualquer luta só se vence na ação, que cuida, abraça e protege coletivamente. As desesperanças não mudarão o futuro de crianças e jovens. A paz é exigente. Demanda a ação. Convoca a esperança. O envolvimento e o vínculo. Exige a palavra e o gesto que, ao se repetirem − recuperam, reconstroem e transformam.

Fechei a janela e corri as cortinas. Deitei-me e fechei os olhos. A multidão adormecia-me e dizia: “Não deixe que ninguém tire a sua esperança”. Naquele dia, dormi em paz.

Foto da capa: Festa das Famílias, Santo António dos Olivais, Coimbra, 30.07.2023. Foto MSA

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