Não te esqueças dos pobres

Peço desculpa aos leitores por iniciar estas linhas com uma longa citação retirada da homilia do papa Francisco na celebração do II Dia Mundial dos Pobres:

Em pleno dia, deixa… deixa a multidão na hora do sucesso, quando era aclamado por ter multiplicado os pães. Os discípulos queriam gozar do triunfo, mas Jesus obrigou-os imediatamente a partir, enquanto Ele despede a multidão (cf. Mt 14, 22-23). Procurado pelo povo, retira-Se sozinho; quando tudo se apresentava «em descida», Ele sobe ao monte para rezar.
Depois, no coração da noite, desce do monte e vai ter com os Seus, caminhando sobre as águas agitadas pelo vento. Em tudo isto, Jesus vai contracorrente: primeiro deixa o sucesso, depois a tranquilidade. Ensina-nos a coragem de deixar: deixar o sucesso que ensoberbece o coração, e a tranquilidade que adormece a alma.
Para ir… aonde? A Deus, rezando, e a quem tem necessidade, amando. São os verdadeiros tesouros da vida: Deus e o próximo. Subir até Deus e descer até aos irmãos: eis a rota indicada por Jesus. Subtrai-nos, assim, à tendência de nos apascentarmos calmamente nas cómodas planícies da vida, de deixar correr ociosamente a vida por entre as pequenas satisfações do dia-a-dia. Os discípulos de Jesus não estão feitos para a previsível tranquilidade duma vida normal.

Da homilia do Papa Francisco na celebração do II Dia Mundial dos Pobres

Descer a Deus e subir aos irmãos

Sem abrigo em casa de cartão, nas ruas de Roma. Foto de Andrea Panegrossi.
Sem abrigo em casa de cartão, nas ruas de Roma. Foto de Andrea Panegrossi.

É, de facto, uma citação longa, mas sinaliza com toda a clareza o caminho que hoje, e sempre, os discípulos de cristo estão chamados a fazer: subir a Deus e descer aos irmãos. Mas podemos dizê-lo também ao contrário, sem com isso ser em nada infiel à afirmação: descer a Deus e subir aos irmãos.

Sim, porque no grito dos pobres grita o próprio Deus, querendo chamar a nossa atenção para todas aquelas situações em que mulheres e homens concretos são descartados e tratados como sobrantes. É, para todos, mas principalmente para esses que vive o Senhor Jesus.

É a todos, mas principalmente a esses que ele anuncia o Reino de Deus, a Boa Notícia de se saberem amados e queridos, a Boa Notícia de saberem que a vontade e o desejo de Deus passam pela sua libertação concreta, passam pela sua dignificação.

Os discípulos de Cristo, se verdadeiramente querem ser discípulos de Cristo, não podem deixar de percorrer este caminho. Os pobres, todos os pobres, de todas as periferias humanas e geográficas, “são os destinatários privilegiados do Evangelho, e a evangelização dirigida gratuitamente a eles é sinal do Reino que Jesus veio trazer”. (EG 48)

E Francisco não se tem esquecido

Quando, no dia de 13 de março de 2013, se começaram, de novo, a contar, os votos para ver quem seria o sucessor de Bento XVI, Jorge Bergoglio tinha a seu lado o Cardeal Claúdio Hummes.

Foi este, como referiu o próprio Francisco, que o animou quando o número de votos com o seu nome ia aumentando, definindo com clareza uma tendência. Foi também ele que, no momento em que os votos alcançaram os dois terços necessários para a eleição do papa e já quando todos os cardeias batiam palmas pela eleição, o abraçou e lhe disse: não te esqueças dos pobres.

E Francisco não se tem esquecido. E insistentemente sinaliza a todos os senhores do mundo essa mesma direção. E não só com palavras, mas com gestos concretos, que é urgente ir replicando e multiplicando.

Dia Mundial dos Pobres

Com a celebração do dia mundial das pobres, o papa Francisco quer deixar bem claro que eles não podem ser esquecidos, sob pena de estarmos a construir um futuro que, mesmo tendo vastas e claras melhorias em muitos setores da vida humana, será certamente menos humano. E nesse desafio envolve também toda a comunidade eclesial, sublinhando como a resposta se torna critério para aferir a fidelidade e a verdade da sua identidade e vocação.

E volto de novo à homilia para destacar esta ideia:

Perante a dignidade humana espezinhada, muitas vezes fica-se de braços cruzados ou então abanam-se os braços, impotentes diante da força obscura do mal. Mas o cristão não pode ficar de braços cruzados, indiferente, nem de braços a abanar, fatalista! Não… O crente estende a mão, como Jesus faz com ele. Junto de Deus, o grito dos pobres encontra guarida, mas em nós? Temos olhos para ver, ouvidos para escutar, mãos estendidas para ajudar? “Nos pobres, o próprio Cristo como que apela em alta voz para a caridade dos seus discípulos”.

Da homilia do Papa Francisco na celebração do II Dia Mundial dos Pobres

Não te esqueças dos pobres! Estou sinceramente convencido de que este é o grito que Deus nos está a querer fazer ouvir no grito dos pobres.

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