O que está subjacente ao modo como de forma proximamente universal as mulheres são desconsideradas é a sua classificação patente ou latente como menos-humanas.
Do ponto de vista teórico, no Ocidente letrado, esse mesmo que teve o privilégio de ler os chamados clássicos, desde que o velho Platão escreveu claramente na sua República, “Livro V”, que, em termos de natureza, as mulheres são em tudo semelhantes aos homens, menos no modo como tal semelhança transparece (sabendo nós que a razão para tal transparência não semelhante se deve a uma imposição política de menorização sobre as mulheres), que não há desculpa para o modo como as mulheres têm sido desconsideradas, não apenas ética e politicamente, mas, como fundamento desta mesma desconsideração, no que é o seu ser próprio e irredutível.
A questão, deste modo, não se põe fundamentalmente em níveis mais superficiais, como o social ou o político ou o jurídico, mas no nível mais profundo possível – e real – que é o da definição do que é o seu ser.
As mulheres têm vindo a ser sistematicamente desconsideradas
É ao nível do ser que as mulheres têm vindo a ser sistematicamente desconsideradas ao longo da história da humanidade, salvo raras excepções, e em todas as latitudes e longitudes.
Ora, do ponto de vista do que constitui a comum humanidade, não entendida apenas como a comum humanidade a homens e mulheres, mas como a comum humanidade a todos os seres humanos, nada há que permita dizer que, segundo o ser, as mulheres sejam superiores ou inferiores aos homens ou estes àquelas.
Como espécie, que é única, é a mesma humanidade como ser que encontramos como definidor fundamental do que cada ser humano é, independentemente de ser homem ou mulher.
Todavia, mesmo o que acabou de ser dito em termos teóricos gerais está errado, pois, ainda que usando os termos aparentemente concretos mulheres e homens, labora-se em terrenos abstratos: se, na realidade, nada corresponde ao homem em geral ou à mulher em geral, também nada corresponde a mulheres e a homens.
O que encontramos na realidade – e é a realidade que conta, não as abstrações construídas a partir dela – não são mulheres e homens, mas esta determinada mulher e este determinado homem. São estes os seres reais, os seres sobre que se pode construir um qualquer discurso acerca do ser que são, que cada ser humano concreto é. Que cada ser humano é irredutivelmente em sua própria humanidade real, concreta, propriamente pessoal.
Neste sentido do absoluto do concreto de cada ser, o que encontramos são pessoas: pessoa que é a mulher tal, pessoa que é o homem tal. É isto que cada um de nós é; é isto que cada ser humano nosso contemporâneo é; é isto que cada ser humano de sempre foi.
Todos somos semelhantemente humanos, todos pessoalmente diferentes, em sua comum humanidade
Neste absoluto de semelhança e de diferença no seio da semelhança, não há como decidir da superioridade ontológica de uns ou de outros, não apenas em termos de distinção entre sexo ou género, mas em termos da distinção individual entre pessoas.
Como posso dizer seriamente que sou mais pessoa do que uma qualquer mulher? Mas também relativamente a um homem qualquer?
Qual é o critério? Quem põe tal critério, com que base, com que autoridade, segundo que sentido?
A invocação de uma qualquer autoridade de tipo superior ou transcendente, mesmo afastados os receios de mecanismos de projeção antropológica sobre tal autoridade, como autora de uma distinção de grandeza ontológica entre seres humanos quaisquer, imediatamente faz de tal autoridade algo como um ser de caprichosa preferência, pois como preferir este ser àquele em termos de dignidade do seu ser – não da dignidade da sua ação, questão radicalmente diferente –, sem que tal preferência seja ditada por algo de tipo do capricho psicológico ou ético?
Não estamos já num estádio de desenvolvimento da humanidade – não como abstração, mas como realidade histórica concreta – em que se possa ainda admitir que a noção que se tem da transcendência, do divino, seja moldada em formas que copiam os mundanos modos tirânicos vários, demasiado humanos, nunca divinos.
Há já muito tempo que a humanidade chegou à noção de amor oblativo, que se designa em termos cristãos como caridade, amor que consiste em querer e realizar o bem de algo, especialmente de um ser humano. Este amor é gratuito, nada espera em troca, tem em seu ato a sua própria recompensa, não tem outra, dispensa outra: é o amor como ato criador.
Em termos cristãos, em que o transcendente divino surge como puro ato de amor, como não perceber que esses, todos, que Deus criou são sempre e indefectivelmente objecto de seu amor, sem distinção, não porque sejam iguais, mas porque, sendo diferentes em sua criatural semelhança, Deus os ama como apenas pode amar: infinitamente. Ama a todos infinitamente, como Deus. Então, como podemos, nós, desconsiderar Deus e olhar uns para os outros como se o outro não fosse tão humano como eu?
É aqui que radica a questão da situação das mulheres no seio da Igreja, assim infiel ao amor de um Deus que ama infinitamente, sem excepção.
O Homem e a Mulher
Poema de Victor Hugo

…
O homem tem a supremacia; a mulher a preferência.
A supremacia representa força
A preferência representa o direito.
O homem é forte pela razão; a mulher invencível pelas lágrimas.
A razão convence; a lágrima comove.
O homem é capaz de todos os heroísmos;
A mulher de todos os martírios.
O heroísmo enobrece; os martírios sublimam.
O homem é o código; a mulher o evangelho.
O código corrige; o evangelho aperfeiçoa.
O homem é o templo; a mulher, um sacrário.
Ante o templo, nos descobrimos;
Ante o sacrário ajoelhamo-nos.
O homem pensa; a mulher sonha.
Pensar é ter cérebro;
Sonhar é ter na fronte uma auréola.
O homem é um oceano; a mulher um lago.
O oceano tem a pérola que embeleza;
O lago tem a poesia que deslumbra.
O homem é a águia que voa; a mulher o rouxinol que canta.
Voar é dominar o espaço; cantar é conquistar a alma.
O homem tem um fanal; a consciência;
A mulher tem uma estrela : a esperança.
O fanal guia, a esperança salva.
Enfim …
O homem está colocado onde termina a terra;
A mulher onde começa o céu…
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