Uma passagem da Segunda Carta aos Coríntios constitui para Tolentino Mendonça o mote para apresentar a figura e o pensamento de Paulo: “Todos nós, com o rosto descoberto, refletindo como um espelho a glória do Senhor, somos metamorfoseados nesta imagem” (2Cor 3, 18). A Metamorfose necessária constitui uma possível definição do que é, para Paulo, a vida do cristão: é a vida do crente, da comunidade cristã e do próprio mundo que se vai configurando, dia a dia e gesto a gesto, por entre tensões e lutas, com a Ressurreição de Cristo e o dinamismo da Nova Criação.
O Autor percorre a redescoberta de Paulo nos movimentos filosóficos do século XX, redescoberta que parece acompanhada de um relativo desconhecimento do mesmo Paulo por parte das comunidades cristãs. A começar pela biografia: as fontes históricas para conhecer Paulo excedem o habitual para uma personagem do século I, mas instauram, mesmo assim, zonas abertas e fluídas, perguntas que o livro ajuda a situar sem estabelecer respostas definitivas. Sabe-se, no entanto, que só se compreende Paulo no contexto do Império Romano, mas também do encontro entre as comunidades judaicas e a cultura e língua grega, na fidelidade às tradições da Escritura.
Com Paulo a comunidade dos discípulos de Jesus adquire um rosto novo: adquire uma tradição escrita, sai do âmbito rural palestiniano para se inscrever no tecido urbano do Mediterrâneo oriental, e encontra-se com o extenso mundo dos “não-judeus”, os gentios. Tudo pelo poder da palavra anunciada.
Paulo define-se como “um centro fixo num pensamento móvel”: a Páscoa de Jesus, em torno da qual o Apóstolo evolui na sua missão pessoal e no modo como reflete e escreve o Evangelho, pensando formas novas de viver a experiência humana e de configurar as relações sociais. Mas Paulo não é um herói solitário: estabelece uma rede de apoio à evangelização, alicerçada em relações pessoais de confiança, e que coincidem com a emergência do Cristianismo primitivo.
Este Livro representa, assim, uma extraordinária oportunidade para conhecer melhor a Paulo, o seu pensamento e a sua obra e, com ele, percorrer os passos e dimensões da vida cristã.
Esta compreende-se sob o signo do Aberto: é uma vida a escrever-se, a configurar-se dia a dia, progressivamente, segundo o Evangelho de Cristo transmitido e celebrado no contexto da comunidade crente. Perdidas que parecem, hoje, as coordenadas históricas que durante tanto tempo nos ajudaram a compreendermo-nos como cristãos – o contexto social e familiar, a tradição –, regressar a Paulo e aos seus escritos representa um desafio exigente, mas também uma oportunidade. Afinal, as suas Cartas estão aí, para nós. Com elas ao lado, esta Obra será um excelente guia e pedagogo, pela mão de um conhecedor profundo e experiente de Paulo e que, fiel ao Apostolo, sabe que a escrita do Cristianismo é também a escrita da Cultura.
O que é um cristão para Paulo? É um sujeito crente em construção; é uma escolha de viver, em estado de processo, ao mesmo tempo a plenitude e o inacabamento, o tesouro e o barro, a esperança e a experiência. Um cristão, para Paulo, nunca é um assunto arrumado, resolvido de uma vez por todas; é aceitar habitar uma tensão, um fazer e refazer permanentes, sabendo que a nossa fé é frágil e incompleta.
Obra: Metamorfose Necessária
Autor: José Tolentino Mendonça
Edição: Quetzal
Páginas: 184