O Padre que toma a sério a Laudato Si’
Em pleno verão, encontrei o Padre Maurizio Patriciello, um padre italiano cuja cara eu conhecia da imprensa italiana, muito falado pela sua luta contra as intrigas mafiosas da Terra dei fuochi (Terra dos incêndios), uma vasta área na região de Nápoles, cheia de numerosas lixeiras abusivas e tóxicas que provocam patologias e morte por leucemia e tumores vários na população local.



Em Itália, nestes últimos tempos, o Padre Maurizio é forçado a ter escolta policial que cuida da sua segurança. Passou por Lisboa, Fátima e Coimbra, sem escolta, acompanhado apenas pelos operadores da televisão italiana para realizar uma reportagem sobre a Jornada Mundial da Juventude, em terras de Santa Maria e de Santo António.
Em Coimbra, falámos sobretudo de Santo António, como era sua intenção, mas foi uma ocasião, também, para partilhar um pouco das nossas vidas e percursos e descobrir algumas amizades em comum, como a de um frade franciscano que marcou a sua vida que de “jovem não católico” (assim ele se definia) o levou a entrar no seminário, aos 30 anos, tornando-se sacerdote.
O bispo de Nápoles enviou-o para o Parque Verde de Caviano, entre as cidades de Caserta e Nápoles, onde havia 13 praças em que se vendia droga ao ar livre: um negócio de 100 milhões de euros por ano!
O dito “Parque Verde de Caviano” é uma zona de cheiros horríveis, onde era queimado o lixo industrial. Às vezes, devido ao fedor insuportável, nem se conseguia celebrar a Missa. Nas noites de verão era impossível dormir com o calor asfixiante que se fazia sentir.
Numa destas noites em branco, de “vigília”, o padre não aguenta mais: “Eram três da madrugada, transpirava. Tive que reagir”. Abriu o computador e escreveu no Facebook: “Sou o padre Maurizio Patriciello, quem não consegue dormir devido ao fedor?”. Ficou na conversa, até às seis da manhã, com milhares de concidadãos exaustos pelo mau-cheiro.
No dia seguinte vai ter com o bispo para lhe dizer: “Todos estão calados, nós devemos reagir!”. E chega o famoso 17 de Outubro de 2013, dia em que encheu as páginas dos jornais italianos e estrangeiros por causa de um incidente diplomático com o prefeito de Nápoles.
O Padre Maurício queria alertar as autoridades sobre a emergência de uma natureza violentada pelos incêndios cheios de veneno que iluminavam as noites napolitanas. Mas é mandado calar com veemência pela sua falta de respeito: não tinha utilizado o título de “sua excelência” ao falar com o prefeito.
Saiu do palácio da prefeitura pensando que não podia ser em vão tal humilhação. E assim foi. Uma jovem ouviu os gritos do prefeito e publicou tudo na net. Em apenas dois dias, opinião pública, jornalistas e deputados exigiram a demissão do prefeito De Martino, denunciando a queima dos lixos tóxicos e os resíduos enterrados.
Poucos dias depois, o Padre Maurizio regressou à prefeitura, não só para acolher um pedido de desculpas, mas sobretudo para oferecer ao prefeito um pequeno crucifixo, o que fez com um sorriso e esta exclamação: “Somos instrumentos da Providência Divina”.
Desde então, o Padre Maurizio continua a lutar pela saúde dos seus concidadãos, repetindo que a encíclica do Papa Francisco, a Laudato Si’, é uma bênção, “uma lufada de ar fresco que nos faz respirar”. Gosta quando Francisco fala do meio ambiente do ponto de vista do projeto de Deus: um jardim cultivado e guardado para os que virão depois.
Vejam bem trata-se de um jardim que não é subjugado, mas cuidado pelo homem.
Não podemos destruir a criação. A globalização da indiferença leva-nos à cultura do desperdício.
O Papa Francisco chama à nossa Terra “casa comum”. Os seus recursos, como a água, não são infinitos. O fosso que existe entre o Norte e o Sul, entre ricos e pobres, não pára de aumentar. A sociedade de consumo ampliou os problemas e a destruição.
O Padre Maurizio, com razão, sente-se desafiado pela encíclica pontifícia:
Uma coisa é falar sobre o meio ambiente numa ilha tropical, outra quando estás num lugar onde tens que trancar as janelas, pois não consegues respirar por causa do mau cheiro.
As batalhas de Maurizio Patriciello continuam apelando a uma conversão ecológica, sobretudo dos cristãos:
A Igreja deve sentir-se franciscana, pois é Deus Pai que nos une no mesmo com respeito para com a natureza. Arruinar o meio ambiente significa roubar um bem, a terra e a sua salubridade, àqueles que virão depois de nós.
O Padre Maurizio ficou encantado com Portugal, pelo azul do céu e do mar, pela brisa que acaricia as pessoas e os monumentos das nossas cidades, pelos azulejos que narram a cultura, a fé e as aventuras do nosso povo.
Também ficou fascinado com o espírito missionário dos Mártires de Marrocos e de Santo António e orou pelos nossos antepassados nos cemitérios do alto dos Olivais. Apreciou um bom bacalhau, à maneira da casa, na esplanada do restaurante de Santo António e esqueceu, por alguns dias, digo eu, a pizza napolitana!
Não peças para viver cem anos.
Respira intensamente o dia que te é dado.
Quando a noite chegar e o sol esfriar,
entrega tudo ao Pai da vida.
Depois, sereno,
coloca no seu coração a tua cabeça…
e dorme!
Padre Maurizio Patriciello
Foto da capa: Frei Fabrizio, Pe. Maurizio e operadores de câmera, durante as filmagens para uma reportagem da RAI I – Radiotelevisão Italiana sobre a Jornada Mundial da Juventude, em Santo António dos Olivais e no Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra, agosto 2022.
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