O Papa Francisco ergueu Maria Madalena a merecidas alturas. A 3 de junho de 2016, a celebração desta santa passou de memória obrigatória a festa do Calendário Romano Geral. Tal elevação deve ser motivo de orgulho para a humanidade, em geral, e para as mulheres, em particular. Por outra parte, o exemplo desta santa mostra-se intemporal.
A importância de Maria de Magdala jamais passou despercebida desde os primórdios do Cristianismo. O seu papel nos Evangelhos, em particular aquando da ressurreição de Cristo, torna-a numa figura essencial no anúncio da Boa Nova. Por isso na Igreja Ortodoxa, Madalena é tida como igual aos apóstolos – por ser a primeira testemunha de Jesus ressuscitado. O Papa Francisco, enraizando-se na tradição católica (Rábano Mauro. São Tomás de Aquino), reconheceu-a como Apóstola dos Apóstolos.
Ao longo dos séculos, a identidade de Maria Madalena prestou-se a vários equívocos. A sua imagem – aliás, bem popular – representa-a como a penitente, de longos cabelos ruivos, símbolo da luxúria, e um frasco de perfume. É, por isso, padroeira dos cabeleireiros, das prostitutas e das perfumistas. Não obstante a sua beleza, esta imagem resulta, na verdade, de um equívoco, como sintetiza D. Artur Roche (Arcebispo Secretário da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos):
A tradição eclesial no Ocidente, sobretudo depois de São Gregório Magno, identifica na mesma pessoa Maria Madalena, a mulher que verteu perfume na casa de Simão, o fariseu, e a irmã de Lázaro e de Marta. Esta interpretação manteve-se e teve influência nos autores eclesiásticos ocidentais, assim como na arte cristã e nos textos litúrgicos relativos a esta Santa.
in Apóstola dos Apóstolos
Tal identificação é, contudo, desmentida pela exegese contemporânea. Na Bíblia, atesta-se que Madalena teve a sua vida renovada por Jesus Cristo, que dela expulsou sete demónios (Lc 8,2). Todavia, o texto não explicita os pecados que a dilaceravam. Libertada por Jesus, Madalena segue-O fielmente desde a Galileia. Madalena está com Cristo antes da cruz; está, com Maria e João, junto à cruz, enquanto Jesus agoniza; e quer estar com Cristo, mesmo já morto. Madalena não tem expectativa de encontrar o Mestre vivo; apenas O quer ver. O seu amor diligente, expresso na caminhada para o túmulo (Jo 20) a fim de cuidar dos restos mortais de Jesus, é recompensado. Porque ama, porque se entrega sem nada pedir em troca, é a primeira pessoa a quem Cristo ressuscitado aparece.
Mas tal é a sua dor que nem O reconhece. Com efeito, Maria Madalena procura os restos mortais – não procura aquele que vive. Está convicta de que o Mestre continua morto e de que o seu corpo foi roubado. Jesus compadece-se do seu desconsolo, pondo fim ao pranto. Como nota o Papa Francisco, na Audiência Geral, de 17 de maio de 2017, é aí que se opera a revolução da vida, de Madalena e de todos nós:
E Jesus chama-a: “Maria!”. A revolução da sua vida, a revolução destinada a transformar a existência de cada homem e mulher, começa com um nome que ressoa no jardim do sepulcro vazio. Os Evangelhos descrevem-nos a felicidade de Maria: a Ressurreição de Jesus não é uma alegria concedida a conta-gotas, mas é uma cascata que abrange a vida inteira.
Nesse momento, Madalena torna-se a primeira de todos os Apóstolos; é a ela a quem cabe anunciar a Ressurreição aos discípulos.
Seguindo os passos de Maria de Magdala, cada um de nós tem a possibilidade de se encontrar com Jesus e de anunciar a Boa Nova. O nosso encontro com Jesus é duplo: no íntimo da alma e no mundo, onde estão os pequeninos e os que têm fome e sede de justiça, os quais devem ser amados e cuidados – “Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes” (Mt 25,40).
O amor solícito de Madalena é o que permite o encontro. Madalena, irmã de todos nós, ensina-nos, nestes tempos conturbados, a seguir Jesus e a descobri-lo no nosso próximo, a estar aos pés da cruz, a cuidar e a amar.