A ideia da Terra como mãe no pensamento do papa Francisco provém da capacidade que ela tem de nos dar tudo o que precisamos para viver, assim como faz a mãe que cuida dos filhos. O que une a Mãe-Terra à Mãe do Céu? A ideia da Terra como uma mãe no pensamento do papa Francisco provém da capacidade de ela nos dar tudo o que precisamos para viver, assim como faz uma mãe que cuida dos seus filhos.
Quando Jesus da cruz nos confia a Maria através do discípulo predileto que estava ao lado, torna-nos seus filhos e, por isso, é natural experimentarmos que Maria cuida de nós. Mas como pode esse cuidado relacionar-se com a ecologia associada à Mãe-Terra?
Em Dezembro de 2009, Bento XVI refletia por ocasião da solenidade da Imaculada Conceição sobre a pureza de Maria e a vida na cidade. No seu discurso adianta um exemplo prático do tipo de poluição que pode haver relativa à ecologia espiritual (a terceira da tríade entre a ambiental e a humana) e dos eco-males que lhe estão associados, encontrando em Maria uma via que ajuda a ultrapassar essa crise ecológico-espiritual onde a alma se entende como a totalidade do nosso ser. Diz Bento XVI:
Nós muitas vezes lamentamos a poluição do ar, que em determinados locais da cidade é irrespirável. É verdade: precisamos do empenho de todos para fazer a limpeza da cidade. E, no entanto, existe uma outra poluição, menos perceptível aos sentidos, mas tão perigosa como a outra. É a poluição do espírito, é a que torna a nossa cara menos sorridente, mais sombria, a que nos leva a não cumprimentar os outros, a não olhar para o rosto do outro. A cidade é feita de rostos, mas, infelizmente, a dinâmica colectiva pode fazer desaparecer a percepção da sua profundidade. Nós vemos tudo superficialmente. As pessoas tornam-se corpos, e estes corpos perdem a alma, tornam-se coisas, objetos sem rosto a serem trocados e consumidos. Maria Imaculada ajuda-nos a redescobrir e a defender a profundidade das pessoas, porque nela existe uma perfeita transparência da alma no corpo.
Ser uma pequena maria para a Mãe-Terra
Maria cuida de nós ao ajudar-nos a ser mais transparentes como ela. Mas, para isso, seria necessário compreender o convite que Deus nos faz a sermos outras pequenas Maria, sobretudo no relacionamento com a Mãe-Terra. Ser uma pequena Maria para a Mãe-Terra significa cuidar do ambiente à nossa volta como se fosse uma obra de misericórdia espiritual que, em última análise, pretende orientar o olhar contemplativo do mundo para descobrir o que Deus nos quer ensinar e comunicar. Mas, significa, também, sermos concretos no modo como amamos, à semelhança de Maria que estava atenta aos detalhes como nas bodas de Caná. Ou seja, como obra de misericórdia corporal, ser uma pequena Maria implica aceitar o convite a cuidar da Mãe-Terra com “simples gestos quotidianos nos quais descartamos a lógica da violência, do desfrutamento, do egoísmo (…) manifestando em todas as ações que procuramos construir um mundo melhor” (Laudato Si’, 230-231).
A experiência cristã oferece ao mundo um sentido para a nossa existência. Isto é, tudo existe para “viver” como Deus. Sendo Deus Amor, entendido como dom-total-de-si-mesmo, “viver” como Deus é sermos dom e acolher os outros como dom, numa comunhão profunda de pensamentos e atos. E quanto mais profunda for a nossa comunhão com Deus, como Maria, mais profunda será a nossa comunhão com a Terra.
Em “A nossa mãe Terra”, o papa Francisco escreve que “a criação é um lugar onde somos convidados a descobrir uma presença. Mas isso significa que será a capacidade de comunhão do homem a condicionar o estado da criação”. A presença de que ele fala é Deus e a raiz cultural da crise ecológica que pode afetar a nossa sensibilidade a essa presença está no dano relacional que espelha o desconhecimento daquilo que significa entrar em comunhão com o mundo natural.
A linguagem mais usada para o nosso papel tem sido a do “administrador” ou “guardião” da criação, mas a mais mariana seria a de sermos cuidadores da comunhão. Para isso será necessário tomar consciência de que o mundo não existe para nós, mas como um sacramento da comunhão. Pois, se durante a vida somos cristificados ao receber Jesus, ao morrermos, quando enterrados, não seremos comunhão para a Terra?
Os problemas ambientais que vivemos são uma oportunidade para descobrirmos como somos uma só família. Uma família que vai para além da humana e engloba toda a criação. Numa família, as mães estão sempre atentas às necessidades de cada um e não cessam de testemunhar um amor que estrutura o tecido familiar. É um cuidar maternal. A maternidade de Maria deve-se ao facto de se ter deixado transformar pelo Espírito Santo, qual artífice da comunhão como lhe chama o papa Francisco. Em Maria, Deus deu-se em corpo espiritualizado e espírito corporalizado, entrando nos lugares mais íntimos e profundos da nossa existência. Quando cuidamos da comunhão entre nós e entre nós e a natureza, abre-se o coração e a inteligência e cada um pode descobrir-se como um filho da Mãe-Terra e filho de Maria, Mãe do Céu.
Foto da capa: Nossa Senhora sob os abetos, óleo sobre madeira, do pintor polaco Lucas Cranach Starszy, 1510, Museu Arquidiocesano de Wrocław, Polónia. Foto http://www.lucascranach.org, Commons Wikimedia.