Marcel Callo, escuteiro, “demasiado católico”
A vida de um jovem de apenas 23 anos, que acaba num campo de extermínio, ilumina o nosso tempo, com o sorriso sereno do seu rosto, o sorriso de quem encontrou Jesus Cristo na família, nas associações juvenis, no trabalho, no namoro e no inferno da guerra.
No dia 4 de Outubro de 1987 o Papa João Paulo II proclamava “beato” Marcel Callo, um jovem de 23 anos, reconhecendo-lhe o martírio sofrido a 19 de Março de 1945, no campo de concentração de Mathausen (Áustria).
Para todos nós, leigos, religiosos, sacerdotes e bispos, [Marcel] relança o desafio universal à santidade: uma santidade e uma juventude espiritual de que o nosso mundo ocidental muito precisa para continuar a anunciar o Evangelho.
João Paulo II, homília

Marcel nasce, a 6 de dezembro de 1921, em Rennes (França), de uma família modesta e muito religiosa. Tem um temperamento autoritário com os irmãos e as irmãs – é o segundo de nove filhos –, mas revela-se sempre carinhoso e disponível para ajudar.
Inteligente, alegre, apaixonado pelo desporto e dócil na vida espiritual, aos 12 anos ingressa no mundo escutista, tornando-se um líder carismático: chefe de patrulha, nos acampamentos de verão no meio da natureza dos Alpes franceses, participa e acolita na missa diária com um entusiasmo contagiante.
Ao entrar no mundo do trabalho, Marcel tem que deixar o escutismo, mas adere à JOC (Juventude Operária Católica), recém-fundada na cidade de Rennes. Marcel de apóstolo do tempo livre (no escutismo), passa a apóstolo do mundo do trabalho na JOC. Com 19 anos, em 1940, pronuncia vários discursos para os associados e amigos jocistas, desafiando-os para que “no ambiente do trabalho saibam difundir o espírito de fraternidade, vivendo e realizando a doutrina daquele que eles consideravam o irmão Cristo operário”.2
De outubro de 1934 até março de 1943, Marcel trabalha na Tipografia Provincial do Ouest, passando por momentos difíceis em que era gozado pelas suas convicções e práticas religiosas. Contudo ganha, cada vez mais, a estima dos operário pela sua luta em defesa dos jovens aprendizes e do respeito da dignidade das mulheres no mundo do trabalho.

Um dia a mãe, vendo o seu fervor e paixão na vida religiosa e social, pergunta-lhe se não queria entrar no seminário como o seu irmão mais velho, próximo da ordenação sacerdotal. A resposta de Marcel é imediata: “Não me vejo chamado ao sacerdócio; acho que posso fazer o bem ficando no mundo”.
De facto, Marcel tinha as ideias bastantes claras sobre a sua vocação. Em 1942, no mundo da JOC, conhece e começa a namorar com a jovem Dernieaux, à qual declara os seus sentimentos de afeto e mais tarde o desejo e o compromisso de casar com ela.
No entanto, a guerra desencadeada por Hitler e a consequente invasão da França, em 1940, tornavam cada vez mais complicada a perigosa a vida também na cidade de Rennes, que foi bombardeada pela primeira vez, a 8 de março de 1943. Entre as mais de oitocentas vítimas perdeu a vida também Madalena, a irmã mais nova de Marcel que ele mesmo retirou de baixo dos escombros com grande determinação e calma.
Poucos dias depois, os jovens são obrigados a deixar a sua própria terra natal para o trabalho forçado na Alemanha. Marcel Callo podia ter-se escondido ou fugido, mas não o fez, sobretudo para não prejudicar os pais com alguma retaliação dos nazis. Com profunda dor, despede-se da família e da noiva, levando apenas uma cruz que tinha recebido na Promessa do Agrupamento Escutista e as insignias de Jovem Operário Católico. Entra no comboio que o afasta definitivamente da sua terra, dizendo: “Parto como missionário, para ajudar os outros a resistir!”. Era o dia 19 de março de 1943. Marcel tinha apenas 22 anos.
No campo de trabalho de Zella-Mehlis, Marcel continua a fazer uma discreta mas constante evangelização com a palavra e o exemplo. Ao findar do dia, na barraca onde se alojava, escreve cartas aos familiares, à noiva e aos membros da JOC de outros campos de trabalho. Em 14 meses, escreve 180 cartas. Dava-se ao trabalho de procurar um padre para celebrar a missa, animava a liturgia, comentava as leituras e dirigia os cânticos. Conseguiu dar vida a um coro litúrgico, a uma equipa de futebol, a um grupo de teatro e a uma equipa de voluntários para visitar os doentes e distribuir medicamentos.
Juntamente a este dinamismo apostólico, o jovem Marcel cultivava a sua relação com Deus através da oração pessoal, tinha o hábito de rezar o terço, à noite, para vencer a tristeza de não puder participar na ordenação sacerdotal do seu irmão e a nostalgia da sua noiva que amava intensamente.
Em abril de 1944, Marcel e outras 11 pessoas, entre padres e seminaristas, são presos e deportados para o campo de extermínio com esta acusação: “Viel Zu Katholsch” – “Demasiado católicos”.
No dia 6 de Julho de 1944, na sua última carta à família, Marcel escreve: “Cristo é um amigo que não te deixa nem um instante e que te sustem, com Ele aguenta-se tudo… Sinto Cristo ao meu lado, ajuda-me, conforta-me…”. Em outubro, o jovem e os seus companheiros, acorrentados no comboio, são levados para o campo de Mauthausen (Áustria), onde são tratados com brutalidade e submetidos a um trabalho inumano. Alguns começam a morrer atingidos por gangrenas, diarreias, úlceras e tuberculose.
No dia 19 de Março de 1945, o corpo sem vida de Marcel, caído numa latrina, é transportado para a enfermaria do Lager. Morre ao abandono, assistido por um prisioneiro não-crente, que se converte ao ver o seu rosto iluminado por um sorriso sereno. Mais tarde dará este testemunho:
Se eu, não crente, que vi milhares de prisioneiros morrerem, fiquei impressionado com o olhar de Marcel Callo, é porque havia nele algo de extraordinário. Para mim foi uma revelação. O seu olhar expressava uma convicção profunda que o levou à felicidade. Era um ato de fé e de esperança numa vida melhor. Nunca vi, em lado algum, ao pé de um moribundo (e vi milhares), um olhar como o dele.
Este rosto de luz, quer brilhar no rosto dos jovens da JMJ Lisboa23, em tempos dolorosos marcados pelo ódio da guerra, da perseguição racial e religiosa e de catástrofes ambientais.
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