Sou eu que acho: as mães, por muito bem que tentem fazer, acabam sempre por asfixiar os filhos e, mais ainda, as filhas. As avós dão cabo da vida das filhas e as filhas acabam por dar cabo da vida das netas, num ciclo imparável. É uma minha ideia.
Começo assim, de chofre, com estas palavras impiedosas de João Canijo a propósito do seu filme-díptico Mal Viver/Viver Mal, transcritas na Revista do jornal Expresso, de 5 de maio de 2023. Digo já que se trata de um filme magnífico, para mim, mesmo sublime. Não apenas pelo ‘retrato cruel’ que faz daquela família (repetido em muitas famílias), mas também pelo lugar e pela maneira de ser filmado.
Todos os mal-entendidos, ditos e não ditos, toda a cacofonia e sobreposição das conversas, todos os silêncios, todos os desencontros e desconfianças, estão magnificamente sublinhados naquele belíssimo jogo de transparências e espelhos, de planos sobrepostos, de interior e exterior, naquele jogo permanente da luz e das sombras.

Mas vamos ao centro do(s) filme(s), resumido também no podcast do Expresso PBX – uma conversa de Inês Meneses com Pedro Mexia (11.08.2023): “Retrato cru de uma família que nunca conheceu o amor”. Aí se diz, falando do(s) filme(s) que ‘todas as relações amorosas e familiares são horríveis’, ‘que quase todas as pessoas são desagradáveis umas para as outras’, que ‘é um cinema sem ilusões sobre as pessoas, pessoas que se detestam, que nunca aprenderam a amar-se, que vivem de forma agreste as suas paixões e relações, familiares e amorosas’.
Tudo se passa num hotel – o Hotel Parque do Rio, em Ofir, uma ‘personagem’ fundamental – e à volta da família dona do hotel e das famílias dos clientes, já habituais. E a câmara, que tudo vê e tudo ouve silenciosamente – o silêncio é propositado e precioso ao longo do filme, com um ritmo lento e largo – vai-nos dando a ver toda a vida que acontece nos diferentes lugares do hotel e em momentos do dia e da noite. É um labirinto: de emoções, de mentiras, de ressentimentos, de invejas, de ódios, de desgostos, de agressões… Todos atirados uns contra os outros, melhor umas contra as outras. De facto, o ‘primeiro’ filme Mal Viver é um ‘filme de mulheres’. Não há nenhum homem naquela família e a personagem que faz desencadear toda a ação e fatalismo – Salomé, filha de Piedade, neta de Sara e sobrinha de Raquel – regressa precisamente porque o pai morreu.
Cada um dos filmes do díptico é diferente (vale a pena notar a maneira diferente de filmar), e até será possível ver um sem o outro, mas ficaria um retrato muito incompleto e muitas coisas não explicitadas. Mal Viver é mais pesado, Viver Mal é mais divertido, amargamente divertido, porque igualmente cruel.
Na vida familiar, não pode reinar a lógica do domínio de uns sobre os outros, nem a competição para ver quem é mais inteligente ou poderoso, porque esta lógica acaba com o amor, escreve o papa Francisco na Alegria do Amor (98).
Mas é tão longo e difícil o caminho do amor…
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