“Ninguém pode salvar-se sozinho. Juntos, recomecemos a partir do COVID-19 para traçar sendas de paz.
São estas as palavras que encabeçam a Mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial da Paz de 2023.
Quando já praticamente não se fala na pandemia e já nos vamos perigosamente habituando à situação de guerra, estas palavras são uma forte chamada de atenção ao que temos de fazer, constituindo-se, como o próprio texto refere, como “um convite a permanecer despertos, a não nos fechar no medo, na dor ou na resignação, não ceder à dissipação, nem desanimar, mas, pelo contrário, a ser como sentinelas capazes de vigiar vislumbrando as primeiras luzes da aurora, sobretudo nas horas mais escuras”.
A situação que estamos a viver alerta-nos para a necessidade de enfrentarmos os desafios juntos. Todos fomos e continuamos a ser afetados pela pandemia, todos sofremos as consequências das guerras. A experiência clara de que tudo está interligado deve levar-nos a perceber melhor a necessidade de olharmos juntos para os desafios que enfrentamos e de ousarmos juntos as respostas adequadas. Este é o tempo oportuno para indagarmos “quais são os novos caminhos que deveremos empreender para romper com as correntes dos nossos velhos hábitos, estar melhor preparados, ousar a novidade? Que sinais de vida e esperança podemos individuar para avançar e procurar tornar melhor o nosso mundo?”.
A experiência de fragilidade, sofrimento e dor, que estas realidades estão a provocar e que nos interpelam a responder às perguntas anteriormente formuladas deve, também, ser ocasião privilegiada para percebermos que “todos precisamos uns dos outros, que o nosso maior tesouro, ainda que o mais frágil, é a fraternidade humana, fundada na filiação divina comum, e que ninguém pode salvar-se sozinho. Por conseguinte, é urgente buscar e promover, juntos, os valores universais que traçam o caminho desta fraternidade humana”.
E nestas palavras da Mensagem ecoa de novo aquela utopia a que Francisco nos convida na Fratelli Tutti:
Desejo ardentemente que, neste tempo que nos cabe viver, reconhecendo a dignidade de cada pessoa humana, possamos fazer renascer, entre todos, um anseio mundial de fraternidade. Entre todos: «Aqui está um ótimo segredo para sonhar e tornar a nossa vida uma bela aventura. Ninguém pode enfrentar a vida isoladamente (…); precisamos duma comunidade que nos apoie, que nos auxilie e dentro da qual nos ajudemos mutuamente a olhar em frente. Como é importante sonhar juntos! (…) Sozinho, corres o risco de ter miragens, vendo aquilo que não existe; é juntos que se constroem os sonhos». Sonhemos como uma única humanidade, como caminhantes da mesma carne humana, como filhos desta mesma terra que nos alberga a todos, cada qual com a riqueza da sua fé ou das suas convicções, cada qual com a própria voz, mas todos irmãos” (nº 8).
Não tenho medo de utilizar a palavra utopia, porque me parece que ela traduz bem o desafio que enfrentamos.
Não a leio, no entanto, como algo que, por não ter um lugar concreto (é assim que geralmente se traduz a expressão: não lugar), não pode acontecer.
Pelo contrário, porque não está amarrada a nenhum lugar, ou seja, a nenhuma cultura, a nenhuma geografia, a nenhum povo ou nação, ela pode acontecer em todas as culturas e geografias, entre todos os povos e nações.
Neste sentido, só as utopias podem verdadeiramente ser transformadoras da realidade.
É assim também que interpreto a utopia evangélica: como a boa notícia que Jesus anuncia e quer para todos; como o anúncio da vontade universal salvífica de Deus.
Sim, porque acredito sinceramente que Deus quer que todos se salvem, acredito também na sua presença no meio da história, porque ele não abandona aqueles que ama. Ele não desiste de nós e foi isso também que acabámos de celebrar no Natal, este sim contínuo e permanente de Deus à humanidade, a toda a humanidade.
Com isto não afirmo que tudo está bem, que tudo é aceitável. Sei bem que assim não é, mas isso não me impede de, igualmente, saber que Ele não desiste e connosco ensaia sempre novos (re)começos.
O início de mais um ano é certamente ocasião propícia para um novo (re)começo, no qual todos somos convidados a “colocar de novo no centro a palavra «juntos». Com efeito, é juntos, na fraternidade e solidariedade, que construímos a paz, garantimos a justiça, superamos os acontecimentos mais dolorosos”.
Para este ano de 2023 formulo os votos desta centralidade utópica: juntos; juntos uns com os outros; juntos com Ele.