Na última reflexão, foram analisadas as palavras do Papa Francisco na abertura da “Reunião pré-sinodal” havida entre 19 e 24 de março passado. Porque já foi disponibilizado o “Documento final” desta reunião, atentemos agora nalguns daqueles que nos parecem ser os “pontos essenciais a reter” da primeira parte do mesmo, iluminadores e desafiadores para o trabalho-caminho sinodal, em curso e a fazer-se.
Como que escrito “na primeira pessoa” pelos jovens participantes do referido encontro, o “tom” do documento é desde logo esclarecido: “Este documento é uma síntese (…) dos nossos pensamentos e experiências. (…) são algumas reflexões dos jovens do século XXI provenientes de diversas religiões e contextos culturais”. Podemos (devemos!), portanto, ler este Documento como um texto “de compromisso”, resultante de um exercício de procura sincera de comunhão e unidade diante de uma miríade de problemas (e sugestões) que devem ser o mais ampla e consensualmente assumidos. “Neste sentido, a Igreja deve ver essas reflexões não como uma análise empírica de um tempo qualquer no passado, mas como uma expressão de onde nos encontramos, para onde nos direcionamos e como um indicador do que a Igreja deve fazer para caminhar adiante”. E, como se ainda restassem dúvidas: “Não se trata de fazer um tratado teológico nem de estabelecer um novo ensinamento por parte da Igreja. É principalmente um documento que reflete as específicas realidades, personalidades, crenças e experiências dos jovens. Este é destinado aos padres sinodais. É destinado a direcionar os bispos a uma maior compreensão dos jovens; um instrumento de navegação para o próximo sínodo dos bispos…”. Será, também por isso e de acordo com a vontade expressa do Papa Francisco, “uma das fontes que contribuirá com o INSTRUMENTUM LABORIS do Sínodo dos bispos 2018”.
Dado o “tom” e o “horizonte interpretativo” do documento, este avança para a concretização, nesta 1ª parte, de cinco “Desafios e oportunidades dos jovens no mundo de hoje”, a saber: (1) a formação da personalidade, (2) a relação com os outros, (3) a relação entre os jovens e o futuro, (4) a relação com a tecnologia e (5) a busca do sentido de vida. Apontando ainda a família e as “comunidades de sustento, edificantes, autênticas e acessíveis” como os espaços preponderantes de descoberta-crescimento pessoal e da maximização de um “sentido de pertença” considerado “fator significativo na formação da própria identidade”, os jovens-autores registam, contudo, que esta “também é formada por interações externas e pela pertença a grupos específicos, associações e movimentos ativos até mesmo fora da Igreja”, pois “Muitas vezes, as paróquias não são mais lugares de encontro”. O essencial, para eles, reside na autenticidade do testemunho: “encontrar modelos atraentes, coerentes e autênticos” que sejam capazes de dar “explicações racionais e críticas às questões complexas – [pois] as respostas simplistas não são suficientes”; que abandonem um “moralismo excessivo” e vençam a “dificuldade de superar a lógica do “sempre foi assim”; que sejam capazes de amar “a todos, até mesmo aqueles que não seguem o que acreditamos ser a fé ‘padrão’”; e que estejam dispostos a debater com eles as “questões difíceis”: “sexualidade, as dependências, os casamentos falidos, as famílias desestruturadas, (…) o crime organizado, o tráfico de pessoas, a violência, a corrupção abusos, feminicídio e toda forma de perseguição e degradação do nosso meio ambiente”.
Esta autenticidade-verdade é, assim, a base essencial da (re)descoberta da fé e de si mesmo, fundamental para uma saudável autoafirmação diante dos demais. Aqui, a diversidade é vista “como uma riqueza e (…) um mundo pluralista como uma oportunidade. O multiculturalismo tem o potencial de favorecer um ambiente de diálogo e tolerância”. Mas esta visão positiva diante da diversidade e do multiculturalismo não anula a consciência de que “nossas raízes cristãs são banhadas no sangue dos mártires e, enquanto rezamos pelo fim de todo tipo de perseguição, somos agradecidos por seus testemunhos de fé em todo o mundo”. Por isso, num “mundo globalizado e inter-religioso, a Igreja precisa não somente de um modelo mas também de uma elaboração sobre as linhas teológicas já existentes para um pacífico e construtivo diálogo com pessoas de outras crenças e tradições”.
Este desafio de maior autenticidade para com o momento presente e de verdade em relação às linhas mestras do seu/nosso passado comum são a condição essencial para uma atitude esperançosa diante do futuro. Malgrado as suas múltiplas concretizações, todos os jovens sonham “com segurança, estabilidade e plenitude”. Estas concretizam-se, desde logo, numa nova atitude por parte da restante sociedade: insistindo na questão da autenticidade, os jovens aspiram, acima de tudo, a que a sociedade “seja coerente e que confie” neles. Eles querem “ser escutados, participando ativamente, e não somente espectadores”. E algo semelhante pedem à igreja: “Procuramos uma Igreja que nos ajude a encontrar nossa vocação, em todos os seus significados”, sobretudo quando, “infelizmente, nem todos acreditamos que a santidade seja algo possível de se alcançar e que seja um caminho para a felicidade. Precisamos revitalizar o sentido de comunidade que nos conduza a um verdadeiro sentido de pertença”.
Ora, a problemática relação dos jovens com a tecnologia é muitas vezes apontada, precisamente, como um dos fatores causadores da sua “não-pertença” (alheamento) diante da realidade circundante. Contudo, são eles os primeiros a reconhecer que “Se, por um lado, os progressos tecnológicos melhoraram sensivelmente a nossa vida, é igualmente necessário usá-la de maneira prudente. (…) um uso desregrado pode trazer consequências negativas”. O desafio está em reconhecer que “a tecnologia é considerada parte integrante da vida dos jovens e deve ser entendida como tal”.
Finalmente, partindo do reconhecimento de que “Muitos jovens não sabem responder à pergunta: ‘qual o sentido da sua vida?’”, os jovens lamentam que “poucos são seus coetâneos que buscam as respostas do sentido de vida num contexto de fé e de Igreja”; “Hoje a religião não é mais vista como o principal meio através do qual os jovens buscam sentido” (…). Os escândalos atribuídos à Igreja (…) afetam a confiança dos jovens na Igreja e nas instituições tradicionais por ela representadas”. Não obstante, ainda têm a esperança de que “A Igreja pode ter um papel vital na certificação de que esses jovens não sejam excluídos, mas que se sintam aceites”. Como? “Regressando” a Jesus: “muitos de nós desejamos fortemente conhecer Jesus, mas geralmente temos dificuldade de compreender que somente Ele é a fonte de uma verdadeira descoberta de si, pois é na relação com Ele que a pessoa descobre si mesma. Consequentemente, evidenciamos que os jovens pedem testemunhos autênticos: homens e mulheres capazes de expressar com paixão sua fé e relação com Jesus, e ao mesmo tempo, de encorajar outros também a se aproximarem, se encontrarem e se apaixonarem por Jesus”.
Para “início de conversa”, não foi nada mau. Continuaremos em breve…