Se somos tão informados, eficazes, modernos e capazes de gerir o nosso tempo, porque estamos tão cansados a toda a hora e tudo se torna um suplício?
Um artigo dos jovens Inês Santos e Gonçalo Oliveira
─ Inês, temos o artigo de Julho do MSA para escrever. Alguma ideia?
─ Tínhamos aquela ideia de como o inglês está a moldar a forma como os jovens comunicam entre si.
─ Ok. Vamos pegar nisso! (Duas semanas depois)
─ Gonçalo, escreveste alguma coisa?
─ Ainda não, tenho andado ocupado. Tu?
─ Também não. Ainda tentei, mas não saiu nada e decidi fazer outra coisa.
─ Ainda temos duas semanas. Logo se vê. (Um mês depois)Inês, temos o artigo de Julho do MSA para escrever.
─ A ideia não faltou, mas não escrevemos nada!
─ Pois… E agora?
─ Temos que entregar algo!
─ Pronto, vamos lá, então. Tem de ser, não dá para adiar mais.
Como cristãos, somos chamados a servir, a não guardar, mas antes colocar os nossos talentos em prática ao serviço dos outros. No nosso dia-a-dia, damos o nosso “sim” a vários projetos, aos quais entregamos parte do nosso tempo, mas, que nos dão ainda mais “recompensas” sejam elas espirituais, de companheirismo, intelectuais, entre outras.
O excerto com que iniciamos este artigo retrata algumas interações que os vossos autores tiveram nos últimos tempos. Escrever para esta revista é, para nós, uma grande responsabilidade e acarreta desafios para vos trazermos a maior qualidade de texto e tema. Como podem constatar, nem sempre o desafio é encontrar um tema ou estruturar o artigo. Por vezes, trata-se de uma panóplia de questões mais internas do ser humano, uma delas a preguiça, da qual vamos falar.
A preguiça é uma das forças de inércia humana mais veementes presente nos nossos tempos e não é sem razão que a Igreja a considera um pecado capital. A preguiça destitui a nossa vida de um rumo e, o que inicialmente é um momento pontual, pode nos tornar reféns e cegar-nos dos nossos objetivos.
Quando damos por nós, somos limões grandes, sem sumo. Temos cada segundo da nossa vida ocupado com as coisas mais fúteis e cremos que estamos livres para fazer o que queremos. O diálogo anterior, em forma de conversa-tipo, transmite um pouco do que se passa no processo de adiamento de uma tarefa. Há compromisso com uma data, sabe-se o que se tem de fazer e até existem ideias para avançar, mas não se faz na hora porque não há urgência. Temos sempre tempo e dá para encaixar nos nossos calendários. Até aí, nada de grave, tudo sob controlo.
Chega, porém, a hora marcada e nada. Rapidamente nos refugiamos nas redes sociais, internet, saídas com os amigos, escondendo sentimentos de culpa e vergonha. As horas passam e já temos outra coisa para fazer. Que alívio! Felizmente ainda temos tempo e estamos muito ocupados, pelo que vamos ter de remarcar este compromisso. Assim, replicamos até sobrar meia dúzia de grãos de areia na ampulheta do tempo. Cada recordação do que ainda falta fazer, torna-se uma espinha na cabeça. Ponto de insustentabilidade. Temos de encarar o Adamastor. Fazemos o que temos de fazer sob pressão.
Em cima do joelho, sacamos o coelho da cartola e tornamo-nos mártires da faina. Conseguimos. Que estafa. Fomos do 8 ao 80, numa aceleração estonteante e passámos a meta em travagem brusca. No final, estamos sem gás no tanque e de pneus queimados ou antes cansados, esgotados e com a sensação de que deu muito mais trabalho do que parecia. Não podia ter sido um passeio na praia, ao final de uma tarde de Verão? O relógio dá a volta. Temos mais tempo. Agora podemos descansar daquela azáfama. Vemos uma nova meta.
A preguiça tem ganhado espaço nas nossas vidas e é verdadeiramente preocupante. Leva-nos à indiferença, ao desleixo e ao esgotamento. Priorizamos o prazer imediato e fácil, ao que é mais duradouro e estável, mas trabalhoso. Com opções virtualmente infinitas, não nos faltam distrações para ocupar o tempo. A arma perfeita que nos torna reféns. Iludem o nosso controlo. Começa com as mais pequeninas justificações como “Lavo a loiça amanhã porque hoje já fiz muito” ou “Entrego o relatório quando estiver pronto porque quero ver mais um episódio”.
Se somos tão informados, eficazes, modernos e capazes de gerir o nosso tempo, porque estamos tão cansados a toda a hora e tudo se torna um suplício? Será que é só do volume de tarefas que temos? A preguiça acontece quando olhamos demasiado para o horizonte das nossas responsabilidades e nos sentimos amedrontados. Exigimos os direitos e regalias, mas repelimos os deveres que servem de base.
A vida de Jesus foi baseada na proatividade, onde cada ação tinha o seu sentido, cada átomo a sua função. Devemos renovar o nosso foco, contenção e entusiasmo, com regularidade. Não é por acaso que o lema desta JMJ relembra que Maria partiu apressadamente. Não no sentido de estar atrasada, mas por sentir uma motivação imensa para fazer algo com a sua vida. De antecipar e dar ao outro. Quanto menos deixarmos a preguiça tomar conta do nosso tempo, mais livres somos para a vida. Para nós, para o outro e para Deus.