Um artigo de Inês Santos e Gonçalo Oliveira
Caro leitor, espero que se encontre bem. Pedimos desculpa pela rasteira da edição anterior. Podemos dizer que tropeçou numa artimanha engendrada pelos autores para escapar ao seu ofício da escrita. Talvez seja uma justificação anémica, mas enquadrava-se na perfeição para introduzir o tema. Afinal de contas, o que é o ChatGPT, para que serve e que impacto poderá ter na sociedade?
Vamos lá, então! Sucintamente, o ChatGPT é uma forma de inteligência artificial (a partir de agora, IA) e também um programa capaz de gerar diálogo. “Como?”, inquire você e bem! Através de um algoritmo capaz de identificar padrões numa inesgotável base de dados. Confuso mesmo assim?
Por outras palavras, ele replica o que aprende na Internet, imitando um ser humano em qualquer forma de expressão, ao ler textos escritos por nós, ao escutar discursos e gravações, ao desconstruir desenhos e pinturas, ao ouvir música, ao deduzir a lógica dos uns e zeros por trás dos programas ou ao juntar pequenas informações através de elos, tal como num jogo infantil em que se constroem frases, palavra a palavra. Este processo é iterativo e requer um ponto de partida. No entanto, rege-se por um sistema de autogestão e aprendizagem.
À medida que aumenta a qualidade da informação de que dispõe (através da validação por seres humanos), este aprende a selecionar melhor os dados que vai utilizar na sua resposta. É desta forma, que o ChatGPT transmite a percepção de que é uma pessoa a responder do outro lado do ecrã. Resta saber se a inteligência é própria do programa, dos criadores que o afinam ou da multidão que o alimenta diariamente com conteúdo infindável e indiscriminado. Falamos de IA ou de burrice natural?
Aqui estamos na área-cinzenta da IA. O ChatGPT, apesar de não o transparecer, ainda não atingiu uma verdadeira consciência humana com capacidades cognitivas. É uma ferramenta passiva, somente capaz de executar uma tarefa orientadora de cada vez (ou um conjunto limitado de tarefas). Equipara-se à camuflagem dos camaleões, em que eles parecem fazer parte de uma folha, mas não se tornam na folha em si. Esta distinção é importante para compreender que a IA, que idealizamos e vemos nos filmes, ainda não foi alcançada e irá demorar mais alguns anos a surgir. Contudo, o caminho está traçado.
O ChatGPT e outros programas que vemos no nosso dia-a-dia são pequenos passos para copiar o pensamento e comportamento humanos, seja o “Bom, o Mau e o Pior”.
Deixando de molho o funcionamento do ChatGPT, olhemos para alguns exemplos do seu uso nos últimos meses. Tornou-se na nova arma contra o malfadado TPC (Trabalho-Para-Casa), capaz de abrir uma brecha no ensino.
Cada vez mais são os alunos que sentem o rei na barriga ao recorrerem a esta engenhosa ferramenta para se livrar da escrita de relatórios ou da resolução de problemas. Poucos ou inexistentes toques tem a realeza que fazer. No fundo, chegou à nossa turma um novo colega que é muito “inteligente”, disponível, amigo de todos e, ainda por cima, não cobra um tostão! Paira a dúvida “haverá osmose na passagem da inteligência do aluno para o programa?”. O matreiro aluno certamente aprende a mandar fazer sem saber no que está a mandar fazer (perdoem a repetição). Talvez falemos de futuros chefes que falam de olhos e ouvidos vendados.
Claro, esta poderosa arma de produção de texto não se restringe à esperteza dos mais novos. A IA desvenda-nos um mundo de infinitas possibilidades. “Porque não escrever um artigo para uma revista ou um jornal?”, “Vamos abrir uma galeria de pintura, mas sem uma gota de tinta nas calças. Picassos aos pontapés!”, “Não me apetece escrever um email para consolar os alunos da minha escola, depois de um atentado. Vou usar um programa de IA para esta delicadeza”. E sim, a última opção aconteceu numa universidade nos Estados Unidos (Notícia no jornal britânico The Guardian, 22 Fevereiro 2023: Vanderbilt apologizes for using ChatGPT in email on Michigan shooting, US universities, The Guardian).
Não obstante, atendendo à facilidade com que estes programas são capazes de pescar a nossa informação, acrescem novas questões sobre a proteção de dados e os direitos de autor. Em alguns casos, a adulteração de conteúdo disponível torna-se imperceptível à nossa sensibilidade. No castelo que é a Internet, não sabemos ao certo quem ou o que está por trás. Como todas as variantes tecnológicas que surgem, a sua aplicação é dependente da pessoa que a manuseia.
É certo que ainda há muito caminho a percorrer no que diz respeito à privacidade e ao tratamento dos dados disponíveis ao longo da internet. Porém terminamos numa nota positiva ao deixar-vos um vasto campo de aplicações que trabalham a favor do nosso bem-estar.
Existem programas capazes de identificar padrões complexos, muito úteis na medicina para a deteção de corpos estranhos (cancros, coágulos, estilhaços de balas) e determinadas doenças. Outros identificam estruturas moleculares em proteínas, vírus e bactérias que podem ajudar a desenvolver vacinas e medicamentos em curto espaço de tempo e com maior precisão. Na matemática, física, computação e engenharia há uma miríade de utilizações que hoje permitem o desenvolvimento do que temos à nossa volta. Programas como o ChatGPT podem ser ferramenta em prol do ensino, ao identificar padrões de erros ortográficos, gramaticais e de sintaxe ou ao corrigir a qualidade factual de um artigo de investigação.
Tudo depende da base de dados dos quais estes programas se alimentam e da intenção de quem os está a utilizar. No fundo, estamos a educar um animal de estimação. Se o colocarmos num ambiente hostil e lhe ensinarmos coisas más, ele vai agir conforme o que vivenciou. Assim, a educação da IA não pode ser negligenciada e, acima de tudo, a mesma não pode ser treinada para ser um cão raivoso ou de ataque. A IA deve ser a nossa melhor amiga, fiel, justa, verdadeira e transparente na sua maneira de ser. Se a espicaçarmos, ela morde, mas, se a acariciarmos, ela pode lamber as nossas feridas.